
Os valores, o posicionamento, a ascensão, a eleição – e a pessoa
Em 1992, uma estudante de jornalismo filia-se no MSI Direita Nacional. Chama-se Giorgia Meloni, tem 15 anos e uma ambição enorme de fazer da política a sua vida. E acreditava que tinha tudo para vencer – o carisma, a ideologia clara e sólida e uma coragem fora do vulgar no contexto político não só italiano mas europeu em geral. E uma visão de rotura com o marasmo político e económico do seu País, ao ponto de afirmar "Acho que Mussolini foi um bom político. Tudo o que fez, fez pela Itália. E não tivemos políticos assim nos últimos 50 anos.", embora tenha adoçado as suas palavras mais tarde. Segue-se uma carreira notável – aos 31 anos é nomeada Ministra da Juventude de Berlusconi e aos 35 torna-se co-fundadora do Fratellli D´Italia (FDI), um novo partido batizado em homenagem a uma estrofe do hino nacional italiano.
Num País com 21 partidos, muitos deles na ala direita e há muito instalados com significativas bases de apoio na sociedade, mais um partido de direita nunca se afirmaria com base nos instrumentos clássicos: promessas e programas. Para criar o seu espaço o FDI tinha de se demarcar com vigor e por isso assume-se como o único partido de oposição ao governo de unidade nacional liderado por Mario Draghi e que liderou o País durante a pandemia.
Quando os italianos vão às urnas em 2022, o jovem e incipiente FDI parte com uma vantagem demolidora: ter sido o único partido frontalmente contra o Governo Draghi, cuja perda de crédito e popularidade contagiara todos os partidos que integraram a plataforma de unidade nacional. E o FDI de Meloni arrasa, conquistando 44% dos lugares no parlamento – quase o dobro de Letta, em segundo com 26%. Negociando uma coligação com a Forza Italia de Berlusconi e o Lega de Matteo Salvini, os três partidos assumem a maioria parlamentar e Giogia Meloni torna-se Primeiro-Ministro de Itália.

A sua popularidade não tem parado de subir e a coligação que lidera tem atualmente mais de 50% de taxa de aprovação e ela mais de 40%, notável para um PM a meio do mandato. "O núcleo duro do Partido Fratelli d´Italia ainda é de extrema-direita, mas os novos eleitores que apoiaram Meloni não o são", refere o Professor D'Alimonte da Universidade de Florença. Ele acredita que o novo primeiro-ministro está a levar o Partido para um novo território onde vai conquistar um perfil com maior capacidade de penetração social.
Apesar de ser rotulada pela esquerda como uma mulher de extrema-direita, como é aliás costume na Europa marxista e ateia tratar conservadores cristãos, Giorgia define-se como uma “nacional conservadora”: uma mulher profundamente católica e com sólidos valores conservadores, assumindo-se vigorosamente contra o aborto voluntário, a eutanásia, o movimento LGBTQ, a adoção por casais do mesmo sexo ou o acolhimnento de imigrantes não cristãos. Numa frase sua "Sou Giorgia. Sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã."
O seu trabalho, as suas aparições públicas e as suas entrevistas revelam uma mulher com uma personalidade magnética, um carisma, uma determinação, um foco brutal em execução e uma invulgar capacidade de ler o povo e comunicar com ele. Uma negociadora implacável, tem a reputação de levar os seus documentos num estojo de lápis de criança cor-de-rosa – “passa uma imagem duma garotinha na escola e os adversários relaxam e baixam a guarda”, disse uma fonte ao Daily Telegraph. "E é nessa altura que ela ataca e os mata" disse a fonte, simulando com o dedo o corte na garganta dum lado ao outro.
E com estes atributos e a Itália no estado deplorável em que Draghi a deixou, estes dois anos e meio de mandato não lhe podiam ter corrido melhor. Apesar da sua juventude e do pouco tempo no poder, é difícil estudar Meloni sem que Reagan ou Thatcher não nos venham ao espírito... claro que décadas mais jovem, ainda algo imatura no discurso e na ação mas os atributos e o potencial estão lá.
Não obstante, a autoridade e a personalidade de Meloni tornam-na um alvo de críticas muito apetecível para o outro lado de espectro político – e a PM italiana tem sofrido a sua esperada dose de ataques públicos dentro de casa. O principal tema é a hostilidade aos LGBTQ+ e o facto do governo estar a usar uma campanha contra a gravidez de substituição para erodir silenciosamente os direitos LGBTQ+. "Como se pode esperar de um conservador da marca 'Deus, pátria e família', Meloni e o seu partido têm sido hostis ao avanço da igualdade LGBTQ+ no domínio da vida doméstica, opondo-se ardentemente à parentalidade entre pessoas do mesmo sexo", escreveu em 2024 Andrea Carlo, uma investigadora britânico-italiana. Na realidade isto não tem nada de novo, já a PM tinha colocado a sua posição em relação a LGBTQ+, bem clara na campanha eleitoral. Mas são críticas de uma minoria e que sempre surgem quando um político assume princípios fortes e os executa.

A economia: resultados animadores em três anos
A terceira maior economia da União Europeia, atrás da Alemanha e da França, arrastou-se em estagnação nas últimas três décadas, aumentando o fosso em relação aos seus parceiros europeus com melhor desempenho apesar de manter vantagem sobre a Espanha. De 1995 a 2023, o crescimento económico foi limitado, com o fosso a acelerar entre 2010 e 2020.
Mas nos últimos cinco anos, o panorama do desempenho económico do País alterou-se radicalmente. A economia italiana já está a crescer: em comparação com 2019, o investimento (+31%) e as exportações (+12%) aumentaram e é o único grande país da UE com uma taxa média de crescimento anual do PIB superior a 1% entre 2019 e 2023, superando a França (+0,6%), a Alemanha (+0,1%) e a Espanha (-0,9%). Nos próximos 3 anos prevê-se um crescimento do PIB entre 2,3% e 3,3%.
Vale notar que as exportações italianas cresceram 12% em relação a 2019 graças a uma crescente diversificação: as exportações para África aumentaram 20%, a moda italiana representou 30% das exportações mundiais de luxo e as exportações de produtos DOP e IGP (um trunfo do marketing italiano que há muito não tem paralelo a nível mundial) aumentaram 18%.
Tudo boas notícias para Giorgia Meloni. Focada em “tirar a Itália da estagnação”, Meloni tem procurado minimizar a intervenção do Estado na economia, reduzir de impostos sobre o trabalho ou estimular uma nova política industrial "que favoreça as empresas que contratam, que geram emprego, e valorizem as nossas marcas, uma riqueza inestimável porque o mundo está faminto de produtos "Made in Italy".
E os resultados são sentidos fora, não sem uma ponta de inveja - o Figaro desenvolveu uma análise do tema e colocou como título de capa “Porque é que a economia italiana está a correr tão bem e a França está tão mal?”.
De cara ao futuro, a Itália deve continuar a capitalizar os progressos económicos realizados até à data, enfrentando os desafios estruturais que ainda limitam o seu potencial. Um crescimento sustentado exigirá não só a aplicação eficaz dos fundos PRR, mas também um esforço concertado para reduzir a burocracia, melhorar as competências digitais e técnicas e tirar pleno partido das oportunidades oferecidas pela transição verde e tecnológica. “O período 2024-2027 será decisivo para transformar sinais positivos em resultados concretos e duradouros", conclui o professor Valério Mancini da Universidade de Roma.
A energia diplomática de Meloni: entre um desejo claro de protagonismo na cena internacional e a necessidade de respeitar a União Europeia
A política externa italiana definida por Meloni assenta em quatro prioridades muito claras...
- criar oportunidades para fortalecer a economia italiana através da abertura de novas oportunidades de exportação, salvaguardando sempre que possível o princípio do equlíbrio da balança comercial. É disso exemplo a parceria estratégica com a Índia.
- fortalecer as relações transantlânticas, o que tem sido uma prioridade há mais de cem anos com a ondas de emigração que deram corpo à importante comunidade americana de raiz italiana mas que se têm vindo a erodir desde a 2ª Guerra Mundial.
- contribuir para a estabilidade no Norte de África, reduzindo os fluxos migratórios clandestinos mas com uma atenção especial sobre a Líbia por razões históricas e pela dependência da importação de petróleo e gás natural.
- e apoiar vigorosamente a Ucrânia, cuja independência e soberania Meloni defende acerrimamente com base no conceito de soberania, face ao qual a invasão russa foi uma violação dos direitos e soberania dos cidadãos ucranianos que defende abertamente.
Tem sido precisamente em linha com estas prioridades que a PM italiana desencadeou em pouco mais de dois anos uma atividade de contactos internacionais cuja intensidade não tem paralelo em nenhum outro país europeu – nem nas próprias instituições da UE. Giorgia Meloni sabe que tem o que é preciso e parte sempre na frente, advogando a defesa dos interesses italianos tão vincada no seu motto pessoal “Deus, Pátria, Família”. E é neste contexto que ela desenvolve contactos chave muito bem preparados com quem interessa – Xi JinPing, Trump, Modi, von der Leyen, Sarkozy, Scholtz ou Keir Starmer. Vejamos alguns destes casos mais de perto ...
Em Pequim teve uma reunião de hora e meia com Xi JinPing onde discutiu o cenário geopolítico global e o papel que ela deseja para a Itália. Sublinharam a necessidade de manter um diálogo aberto e construtivo, especialmente em áreas de interesse estratégico, e abordaram a importância da transparência, da segurança e da equidade nas suas relações bilaterais. Como resultado, a reunião influenciou significativamente a política externa e as estratégias comerciais de Itália, garantindo a salvaguarda dos interesses nacionais mas também o seu alinhamento com objetivos europeus mais amplos.

Em Junho de 2024 tem lugar em Itália a cimeira do G7, o fórum que integra as principais economias avançadas do FMI: Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e EUA. Este evento ofereceu a Meloni a oportunidade de receber em casa alguns dos mais ilustres líderes dos três continentes – mas foi o PM indiano Narendra Modi a merecer a sua maior atenção, por duas razões : primeiro, a curiosidade de Meloni em entender os atributos que têm levado Modi a ser sistematicamente reconhecido como o líder de Governo mais admirado no Mundo (como testemunham várias sondagens); e segundo, evidentemente, o forte potencial por explorar na Índia para a indústria italiana.

A relação bilateral entre os dois países já tinha sofrido uma injeção de energia pela visita de Meloni à Índia um ano antes. Graças a uma explosão química instantânea entre os dois, chegando a levar a imprensa cor-de-rosa a especular um romance, a relação entre Índia e Itália foi elevada a uma parceria estratégica e o comércio bilateral cresceu para mais de US$ 15 biliões, tornando a Itália o quarto maior parceiro comercial da UE com a Índia.
Em Abril deste ano recebe em Roma o Rei Carlos III, o Presidente turco Erdogan e o Vice Presidente dos EUA JD Vance para encontros bilaterais. Uma agenda ambiciosa mas a PM italiana está profundamente consciente do estado do Mundo e convicta da estratégia de defesa e desenvolvimento económico e social que a Itália, a sua primeira prioridade, deve seguir. Giorgia Meloni nunca perde o foco – todo o esforço diplomático está virado antes de mais para os interesses italianos e só depois para ajudar a UE.

Em resumo, é justo dizer que o estilo pragmático, energético e de charme pessoal da diplomacia de Meloni representa uma mudança para um envolvimento inclusivo e baseado no diálogo. Ao trabalhar com figuras como Trump, Modi e outros, ela reforça a unidade transatlântica enquanto traça um novo rumo para a cooperação global, provando que mesmo uma nação de 60 milhões de habitantes pode ser uma força poderosa no contexto internacional.
Que papel pode vir a ter a PM italiana na União Europeia?
Giorgia Meloni não tem aliados na Europa e, apesar da proximidade a von der Leyen, este modelo de reuniões bilaterais com as maiores figuras mundiais tem criado algum desconforto nas instituições e líderes europeus, que consideram que estas ações devem ser lideradas pela Comissão Europeia e não por um país membro seja ele qual for.
Acresce que Giogia Meloni não tem escondido o seu desdém pelas instituições europeias e por muitos dos seus homólogos europeus como mostram três exemplos...
- primeiro, num discurso em Espanha disse claramente “temos de acabar com os burocratas de Bruxelas”.
- segundo, foi a única PM que votou contra o nome de António Costa para presidente do Conselho Europeu e já tinha votado contra a reeleição de von der Leyen para o seu segundo mandato.
- E terceiro, na atual crise tarifária desencadeada pelos EUA, não esperou por delegações da UE e resolveu ir falar com Trump sozinha
A crítica que se tornou praticamente permanente nestes últimos dois anos por parte da EU e de muitos líderes europeus tem sido a inconsistência inadmissível de ser membro da UE e ter relações estreitas e de admiração comum com Donald Trump. Numa entrevista recente ao Financial Times, Meloni disse que seria "infantil" ter de escolher entre apoiar a Europa ou o Presidente dos Estados Unidos e acrescentou que “aqueles que procuram separar a Europa da América tendem a enfraquecer uma parceria extraordinária enraizada em laços culturais e históricos partilhados", sublinhando a necessidade de unidade no eixo atlântico face às pressões externas da Rússia e da China.
Mas não ter respeito pelos órgãos da UE ou por muitos líderes europeus que considera acomodados e incompetentes, como Macron ou Scholz, e sentir-se próxima de Trump não significa alhear-se do seu estatuto europeu. Meloni luta pela Itália mas também pela Europa, tentando criar uma plataforma negocial que evite responder às tarifas dos EUA com mais tarifas – ao contrário do que defende a larga maioria dos líderes europeus, que sentem um misto de inveja e orgulho ferido e de punho no ar ameaçam Trump com aumento de tarifas.

É preciso reconhecer que Meloni se tem empenhado em demonstrar o seu compromisso com a Europa aproximando-se de Ursula von der Leyen. Em 2024, voou para o Egito para estar ao lado da Presidente da Comissão Europeia para assinatura de um acordo migratório segundo o qual a UE prestaria uma ajuda financeira ao Cairo em troca do reforço da sua cooperação no controlo da imigração. Um sinal da influência de Meloni e do papel-chave na formação da trajetória da UE em direção a uma guinada à direita para a migração. Ainda assim, a influência de Meloni tem muito espaço para crescer.
Em junho têm lugar as eleições para o Parlamento Europeu, nas quais se espera uma vitória clara dum bloco de direita expandido. Giorgia Meloni tem todas as condições para se tornar o líder espiritual desse bloco, empurrando Bruxelas para a direita em tudo, desde a política de migração ao Green Deal, um ambicioso pacote de legislação climática que se tornou um punching bag para a direita. A partir daí, ela terá seguramente várias opções atrativas no seu horizonte – mas sempre fora de cargos institucionais da UE.
Entre a amizade com Donald Trump e a disciplina de membro da UE
Meloni conheceu Trump em 2024 quando se deslocou aos EUA para o apoiar formalmente na corrida eleitoral contra Biden e mais tarde foi. a única líder europeia convidada para a cerimónia de tomada de posse – com as esperadas invejas de tantos líderes de países maiores.

A química política e pessoal entre os dois líderes é de facto particularmente forte, tão forte que Meloni reconheceu entender a postura protecionista de Trump com a imposição das tarifas sobre a China, Canadá e México por exemplo. "Sou conservadora. Trump é um líder republicano. Certamente estou mais próximo dele do que de muitos outros, mas entendo um líder que defende os seus interesses nacionais porque eu defendo sempre os meus.”
Na entrevista ao Financial Times enfatizou que não via Trump como um adversário mas sim como o "primeiro aliado" da Itália e que concordava com os ataques do governo dos EUA aos líderes da UE, nomeadamente com o famoso discurso de Vance em Munique – sublinhando mais uma vez a má opinião que tem dos seus homólogos europeus.
Quanto a Trump, quando conheceu Giorgia Meloni ficou marcado pelo pragmatismo que partilhavam mas sobretudo pela energia que ela irradiava, comentando em privado “she is a real live wire”. E numa conferência de imprensa conjunta não lhe faltaram elogios – nem uma provocação à sua visão de um Europa vetusta e amorfa “Estou aqui com uma mulher fantástica, a primeira-ministra de Itália. Ela está mesmo a conquistar a Europa".
Não obstante as críticas de França, de outros países e da própria UE a esta proatividade isolada de Meloni nas visitas a grandes figuras mundiais e a Trump em particular, ela segue em frente procurando alavancar na sua relação com o Presidente dos EUA para abrir portas a uma negociação bem sucedida com a UE.
Mas sabemos que, antes de abrir caminho para negociações dos EUA com a Europa, o objetivo focal de Giorgia Meloni é defender os interesses de Itália. O País debate-se com um desequilíbrio significativo em termos de comércio e investimento com os Estados Unidos, uma vez que as empresas italianas investem muito mais nos EUA e as poupanças europeias geridas pelos EUA desempenham um papel fundamental. Ao mesmo tempo os EUA representam 10% de todas as exportações italianas.

A visão atlântica, o ponto de convergência da Europa, da Itália e dos EUA
De facto, a visão de Meloni acaba por ser mais europeísta do que a grande maioria dos líderes e eurocratas de topo europeus e o seu pragmatismo e energia prevalecem sempre : “Aqueles que procuram separar a Europa da América tendem a enfraquecer uma parceria extraordinária enraizada em laços culturais e históricos partilhados que têm de ser os alicerces da nossa unidade face às pressões externas da Rússia, da China e quem sabe da Índia no futuro”
Mas esta perspetiva não é consensual. Por exemplo, enquanto que em Portugal e noutros países menos assertivos e mais “bonzinhos” não se questiona a afetação de mais dois por cento do PIB à Defesa, em Itália existe grande relutância popular com a questão. Teresa Coratella, Vice Presidente dos escritórios da EFCR em Roma, aponta duas razões que aliás se aplicam a Portugal : “as limitações orçamentais e o facto da sociedade italiana não estar muito aberta ao discurso público sobre defesa e segurança”. E acrescenta um aspecto importante “culturalmente, os italianos não gostam de enfatizar a defesa e, tal como o Governo, a estabilidade económica é a principal prioridade dos cidadãos italianos. Nenhum político, incluindo Giorgia Meloni, colocará muito esforço para aumentar os gastos com defesa. O país simplesmente não está preparado para este tipo de debate.”
A viagem rebelde a Washington: uma jogada de alto risco... ou alto retorno
A 17 de Abril, hoje quando escrevo este artigo, Donald Trump recebe Giorgia Meloni a pedido da PM italiana para uma reunião privada a dois na Casa Branca.
Numa entrevista à televisão RAI 1 na semana passada, a Giorgia Meloni considerou a medida de Trump "errada" e disse que Roma faria tudo para buscar um acordo com Washington, alertando que uma guerra comercial " enfraqueceria inevitavelmente o Ocidente em favor de outros atores globais" ... uma referência clara à China. E em termos de estratégia, reiterou a sua visão de que “ o objetivo deve ser remover tarifas, não as multiplicar. Não estou convencida de que a melhor resposta seja responder às tarifas aduaneiras com outras tarifas", referiu - contrariando frontalmente uma corrente de pensamento forte no seio da União Europeia.

A recente suspensão das tarifas dos EUA sobre os produtos industriais europeus criou uma janela diplomática estreita, mas significativa, que Giorgia Meloni está a aproveitar ao máximo enquanto se prepara para o seu encontro com Trump em Washington.
Como a primeira líder da Europa que se vai encontrar com Trump desde que a pausa tarifária foi anunciada, Meloni está apostada em posicionar-se como um catalisador capaz de reacender o diálogo comercial UE-EUA que ficou paralisado devido à reação infantil de “donzela ofendida” da UE. No topo da agenda de Meloni para a UE está o objetivo de reduzir as tarifas sobre os produtos industriais europeus – idealmente tarifas zero de parte a parte, um cenário duro para Trump, mas que não é impossível, ele tem muitos argumentos para não “perder a cara” com uma decisão dessa natureza.
Mas a viagem de Meloni a Washington não é apenas sobre tarifas, é sobre a posição da Europa no novo realinhamento de poder global e a nova aliança atlântica que defende. Por isso, uma das principais questões a levantar com Trump é sua a postura estratégica em relação à China. Trump não tem escondido o seu desconforto face à reaproximação da UE à China como resposta à agressão tarifária dos EUA sobre a Europa “ É uma atitude míope e arriscada, a UE fez exatamente o que não deveria ter feito" afirmou Trump, o que é um pau de dois bicos face à abertura a negociações entre a UE e os EUA que Meloni vai procurar desencadear com Trump.
Há sinais positivos que apontam para o sucesso de Meloni neste encontro com Trump...
A recente moratória tarifária dos EUA carrega uma mensagem geopolítica mais ampla: sinaliza o seu interesse em formar uma frente económica ocidental unificada para contrabalançar a expansão industrial da China a nível global. Esta estratégia vai além da mera resolução do défice comercial dos EUA, embora essa continue a ser uma consideração importante, dada a substancial dívida pública dos Estados Unidos - ainda por cima parqueada sobretudo nas mãos da China. Trata-se, antes de mais, de (re)construir um alinhamento estratégico entre os dois lados do Atlântico que estimule o crescimento económico e o bem estar social de ambos.
Neste contexto, Meloni entende claramente a importância estratégica deste momento e vai usar o seu encontro com Trump e a relação especial que se formou entre os dois para defender uma aliança industrial euro-americana coordenada e com condições para se assumir como uma alternativa genuína ao poder industrial que a China está a conquistar de forma avassaladora em setores chave a nível mundial.

Poderá afinal Giorgia Meloni ser mais do que uma estrela solitária e liderar o advento duma nova geração de Chefes de Estado que reergam a Europa ?
Giorgia Meloni é sem dúvida a figura de referência na Europa para todos os que sentem a erosão dos valores cristãos do Continente, do seu vigor económico e da sua afirmação mundial como bloco. Em meio mandato conseguiu começar a reanimar a economia italiana e a reformar as velhas instituições republicanas que sempre foram o lastro da economia, obstáculos pesados para a sua visão de uma nova Itália, mais forte e independente. E no exterior as suas ideias fortes, energia e personalidade magnética estão a criar uma veneração cada vez maior, muito para além do que seria de esperar da PM dum País com 60M de habitantes.
A grande questão é se Meloni se lmitará a ser uma excelente líder nacional mas isolada do resto da Europa na sua defesa acérrima dos interesses italianos e consequentemente com uma capacidade de manobra limitada quer a nível de diplomacia internacional quer na conquista de uma posição protagonista na UE que teria todas as competências para obter ... Ou se não poderá ser um exemplo que outros, ainda na sombra mas com as mesmas capacidades, possam, com o seu exemplo inspirador, ganhar confiança para saltar para a ribalta? Ou seja, pode Giorgia Meloni ser o grande catalisador de uma onda de mudança política na Europa, a mudança que os europeus cada vez mais desejam – ou vai acabar por se ver fechada em Itália e politicamente isolada na Europa, seguramente o seu maior pesadelo ?
A mudança vituosa que Giorgia Meloni pode inspirar, ou mesmo protagonizar, nunca acontecerá enquanto o seu espaço idfeológico de “conservadorismo cristão” se confundir com Le Pen, Órban, Abascal ou Ventura, figuras que Meloni claramente evita por as considerar fracos estadistas, de visões curtas, ambição limitada e/ou ideologias populistas estéreis. Acontecerá quando, através do continente, venham a emergir novos líderes que tenham os atributos de Meloni, assumam o poder e unidos se comprometam com garra em colocar a Europa a par dos EUA, da China ou doutra potência que possa emergir. Seduzir Donald Musk, Geert Wilders ou líderes de partidos europeus sérios posicionados no espaço ideológico do FDI poderia ser um bom primeiro passo, com a vantagem de ganhar espaço para que a sua imagem de proximidade isolada ao Presidente dos EUA possa ganhar um outro equilíbrio – e para que Giorgia Meloni se possa dedicar a construir a nova Europa à imagem da sua nova Itália.
