Eu sou jurista mas nunca fui um jurista teórico. Sempre tentei ver o direito, o sistema jurídico e o sistema judiciário de forma muito pragmática destinada a servir os agentes económicos e providenciar-lhes um mecanismo apto à gestão da sua atividade. Mas como advogado de negócios e jurista também não sou alheio à necessidade de reformar o sistema jurídico e o sistema judiciário do nosso país.

Não é essa já uma estafada proclamação, que todos os denominados agentes da justiça efetuam em cada abertura do ano judiciário?

Longe de presumir ter a resposta à million dollar question de "como reformar a justiça", gostava de avançar um ou outro princípio que poderia nortear uma tal reforma.

Antes, porém, um aviso à navegação: um processo reformista é feito de escolhas. E, como é consabido, fazer escolhas é preferir umas matérias a outras, é almejar um resultado e provocar uma consequência, protegendo uns temas e desprotegendo outros. Numa reforma séria, não há escolhas que sejam neutras, pois tal significaria não reformar de todo.

Um primeiro andamento a que deveria obedecer uma reforma na justiça seria o de limitar os direitos de defesa ora existentes, limitando-se por exemplo a capacidade de a defesa colocar em questão (apresentar requerimentos e/ou recorrer) a miríade de temas decididos pelo juiz, que hoje em dia pode questionar. Por exemplo, limitar os articulados a dois e eliminação da impugnação especificada. Os recursos constitucionais que têm uma natureza marcadamente dilatória deveriam ser declarados com mero efeito resolutivo.

O segundo princípio seria o de fixar prazos perentórios para o Ministério Público/Autoridade Tributária, etc atuar judicialmente e dentro dos respetivos processos. E fixar-se prazos perentórios igualmente para os juízes. Vários prazos, desde a marcação de audiências, a duração das mesmas, prazos para vários tipos de respostas processuais, etc. Havendo um sistema de incentivos e de indicadores de performance do trabalho dos juízes e restantes funcionários judiciais também se controlaria o fluxo e o output de trabalho - o facto de estarmos perante um órgão de soberania não reduz a responsabilidade (a accountability) perante os outros, antes a eleva.

O terceiro princípio seria o de incrementar a responsabilização as partes processuais.

Os receios face a um Estado abusador já não poderão justificar o atual regime nascido nos anos 30, e cinquenta anos volvidos em democracia (mais do que sob um regime autoritário) permitem fechar esse capítulo e avançar para um regime onde o balanço de poderes tende a evitar abusos e a regular comportamentos nocivos.

Aliás, neste período, o que temos visto é agentes criminais a manobrarem a seu favor o sistema e muito menos inocentes a serem abusados.

Por outro lado, tendo presente que o nosso país (em passo bem inferior ao dos nossos parceiros europeus mas mesmo assim crescentemente) melhorou os indicadores económicos e foi ficando mais rico do que em qualquer período recente comparável, sempre se poderia incrementar as consequências financeiras negativas para quem incumprisse o direito, quer aumentando as multas e coimas quer aumentando as indemnizações por danos morais. Por exemplo, reforçar as consequências da condenação em litigância de má-fé, alargando-as ao processo penal.

Responsabilizar mais as partes processuais seria sublinhar a necessidade de cada parte carrear para o processo, logo desde o início, tudo o que tem: depoimentos, testemunhas, peritagens, documentos e pareceres técnicos e legais.

Outro princípio seria o de tornar a prova dos factos menos dependente da prova testemunhal presencial.

Depoimentos por escrito poderiam ser a regra. Faz-se em vários países, como por exemplo a França, apresso-me a ilustrar….

As audiências de julgamento seriam apenas para contra instância sobre os depoimentos por escrito. E com tempo limite por testemunha e no global.

Outro princípio seria a simplificação das sentenças/acórdãos, por forma a aumentar a rapidez dos juízes na elaboração das mesmas, a salientar o essencial e a tornar mais percetível o caminho intelectual para a decisão. Com as peças processuais acessíveis em cloud, torna-se desnecessário repetir os argumentos de cada parte, inebriando um leitor desprevenido e desfocando a interpretação da decisão.

A ideia seria cortar em dois terços o tempo que um juiz assoberbado em trabalho despende na elaboração de uma decisão judicial.

Por último, apostar decisivamente na aplicação da Inteligência Artificial ao processo judiciário, a qual pode ser uma ferramenta incrível na segurança jurídica, na eficiência e na celeridade.

Advogado, sócio da Cerejeira, Namora, Marinho Falcão Sociedade de Advogados