
As nossas sociedades vivem na angústia da destruição das culturas nacionais. Não vou discutir os méritos da afirmação, mas é mais ou menos nestes termos que Eatwell e Goodwin, no seu livro Populismo - A revolta contra a Democracia Liberal, apresentam uma das causas – como o subtítulo do livro indica – da revolta contra a Democracia Liberal. Aos decisores políticos, sobretudo aos comprometidos com a Democracia e a Liberdade, cabe apresentar, também a essa angústia, políticas públicas e opções de governo que salvaguardem os valores das suas comunidades políticas. Isso com dois propósitos relacionados: preservação da identidade cultural e fomento da coesão social. Valores que, no nosso caso, aliás, em Lisboa, sempre incluíram a abertura e acolhimento do outro.
Falava de identidade cultural, e convém relembrar desde já que a cultura popular não deve ser percecionada, como preconceituosamente ainda vai sucedendo, como secundária ou menor no contexto do setor cultural. Não faz sentido a ideia de uma cultura dita de primeira e outra de cariz popular, menos erudita, alegadamente de segunda. O universo da cultura e o setor cultural e criativo são suficientemente relevantes para não se dispersarem, ou até fragmentarem, em perceções dessa natureza. A cultura, nas suas múltiplas vertentes e expressões, é uma área essencial ao desenvolvimento sustentável e à construção de cidade na contemporaneidade, enquanto território plural, inclusivo, participativo, criativo, de proximidade, humanizado e humanista.
Para dar um exemplo, em Lisboa, as 36 casas regionais funcionam como âncoras também culturais para comunidades migrantes internas, preservando tradições gastronómicas, festivas e artísticas de regiões diversas do país (não fosse Lisboa composta, ao longos dos tempos, por todos aqueles que para ela vieram). Esta manutenção das raízes valoriza identidades dentro da cultura portuguesa, oferecendo um antídoto contra a homogeneização cultural usualmente associada ao globalismo, um dos fatores que alimentam o ressentimento populista. As casas regionais em Lisboa têm história: tendo surgido principalmente durante o século XX como resultado dos fluxos migratórios internos, são verdadeiros pilares não só da diversidade cultural, mas também da coesão social, funcionando como guardiãs das tradições, costumes e expressões culturais das diversas regiões de Portugal. Este papel é crucial, não apenas pelo que fazem em prol dessa valorização, mas também pelo quanto enriquecem o tecido cultural de Lisboa, reforçando sua tradição como cidade acolhedora e multicultural. São parte integrante da identidade da cidade, das suas idiossincrasias e do que podemos designar por alma lisboeta que, de resto, é o tema escolhido pelo presidente Carlos Moedas para as Marchas Populares da cidade, expoente máximo representativo da nossa cultura local de impacto internacional. Algo diferenciador, distintivo, que se sente e vive. No final, no resultado da sua ação, Lisboa é muito mais do que a soma das partes.
Além disso, estas instituições atuam como importantes redes de suporte e de referência para as pessoas, proporcionando-lhes um local de encontro. Numa sociedade tão atomizada e individualista, este aspeto é fundamental para a coesão social, ajudando a combater o isolamento e a promover um sentimento de pertença na “grande cidade”, tantas vezes lugar de isolamento “no meio de tanta gente”.
A Câmara Municipal de Lisboa tem, por isso, reconhecido a sua importância e têm-se empenhado em apoiá-las de diversas formas. Este apoio político-institucional manifesta-se através da presença e intervenções públicas de representantes da Câmara em eventos importantes das casas regionais, como comemorações de aniversário e outras efemérides, passando pela atribuição de distinções honoríficas, formalizando com essa dignidade o reconhecimento por parte do Município em relação ao historial e papel desempenhado pelas Casas Regionais em Lisboa, nomeadamente a Medalha de Honra da Cidade à Casa do Alentejo, e recentemente a Medalha Municipal de Mérito Cultural à Casa do Minho em Lisboa e à Casa do Concelho de Tomar, mas também na promoção de iniciativas que integram as casas regionais na vida da cidade, aumentando a sua visibilidade. Alguns exemplos incluem a escolha, por este executivo municipal, de uma casa regional como palco para o lançamento das Festas de Lisboa em 2022, o estabelecimento de um protocolo de apoio para o Centenário da Casa do Alentejo em 2023, a inclusão de atividades das casas regionais na programação oficial das Festas de Lisboa, o apoio à realização do Encontro do Associativismo e Regionalismo na Alameda Dom Afonso Henriques ou a campanha de divulgação e promoção destas estruturas nas plataformas digitais da Câmara Municipal de Lisboa.
Todavia, apesar da importância que reconhecemos e dos apoios que concedemos, as casas regionais enfrentam desafios significativos. A falta de participação dos jovens e as dificuldades financeiras são algumas das suas principais preocupações. Para enfrentar esses desafios, a Associação das Casas Regionais em Lisboa (ACRL) tem trabalhado para renovar os movimentos associativos e atrair as novas gerações. Da nossa parte, na Câmara Municipal de Lisboa, continuaremos a incentivar a articulação entre as casas regionais e a Direção Municipal de Cultura para que estas se possam candidatar a apoios ao abrigo do nosso Programa de Atribuição de Apoios. Estes apoios visam a realização de obras nas sedes das casas regionais e o desenvolvimento de atividades culturais.
Oferecendo lugares de participação coletiva (festivais, grupos folclóricos, formação em instrumentos musicais, aulas de cultura regional e outras atividades culturais), as casas regionais permitem um envolvimento cívico gerador de novas e virtuosas dinâmicas.
Permitam-me outro exemplo: a Mouraria, onde um palácio se transformou num hub criativo, ilustra bem como a valorização do património pode gerar novas formas de pertença numa Lisboa globalizada. É também com esta interação entre preservação cultural e inovação social, respondendo precisamente ao "dilema das sociedades abertas", que se prova que é possível manter raízes identitárias sólidas enquanto se participa ativamente na construção de uma cidade intercultural e cosmopolita.
Para nós, as casas regionais em Lisboa são muito mais do que simples associações culturais: são verdadeiras embaixadas das diferentes regiões de Portugal na capital, desempenhando um papel crucial na preservação da diversidade cultural, na promoção da coesão social e na integração dos migrantes. Acabam por ser também, para benefício da nossa cidade e de todos os lisboetas, embaixadoras de Lisboa junto dos seus municípios de origem. Com o apoio contínuo da Câmara Municipal e a renovação de suas atividades para atrair as novas gerações, estas instituições continuarão a enriquecer o tecido social e cultural de Lisboa, reafirmando o caráter acolhedor e multicultural da cidade.
Por uma Cultura de todos, com todos e para todos.
Vereador com a articulação com as Casas Regionais da Câmara Municipal de Lisboa