Portugal, que até é merecidamente reconhecido pelo seu progresso em áreas como a captação de fundos comunitários, continua refém de uma burocracia que emperra a economia e compromete o desenvolvimento. A OCDE alerta que, apesar dos avanços registados, o país está longe da eficiência administrativa média da zona euro.

O recente episódio das 530 empresas notificadas para devolverem fundos comunitários é o exemplo perfeito da armadilha burocrática que põe em causa a confiança e a competitividade do país.

Parece surreal que estas empresas, após investirem em projetos aprovados no âmbito do PT2030, tenham sido notificadas para devolver 4,6 milhões de euros por não apresentarem um Certificado de PME. Para muitas empresas, tudo isto aconteceu já na fase de conclusão dos projetos.

Para adensar ainda mais a dimensão caricata de tudo isto, é o próprio governo a confirmar que o certificado não foi emitido atempadamente devido a falhas nas plataformas eletrónicas disponíveis para o efeito. Ainda assim, isso não impediu as notificações.

Este caso é um exemplo claro de como a Administração Pública portuguesa não protege quem mais contribui para a economia. Em vez de estímulo à utilização dos fundos comunitários, a burocracia da esfera pública portuguesa acrescenta obstáculos ao já difícil contexto empresarial. O episódio levanta questões profundas sobre o funcionamento do Estado e a sua relação com as empresas. A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) foi incisiva ao classificar estas notificações como uma “bizarria”. É incompreensível que problemas estruturais e alheios ao meio empresarial, como o atraso na emissão de certificados ou a ineficácia das plataformas digitais, se traduzam em penalizações para os empresários, que já lidam diariamente com um mercado global altamente exigente e competitivo.

A situação é ainda mais grave quando consideramos o potencial impacto na execução de fundos comunitários. Segundo a Comissão Europeia, 90% do investimento em Portugal depende de verbas comunitárias. Não aproveitar este financiamento, ou fazê-lo de forma ineficaz, é um desperdício que o país não pode suportar. Como destaca o Presidente da República, a execução do Plano de Recuperação e Resiliência é crucial para o desenvolvimento do país. No entanto, o quadro regulatório, as barreiras administrativas e a morosidade associada à litigância pré-contratual continuam a ser entraves significativos à aplicação de verbas comunitárias.

Não é só o tecido empresarial nacional que é penalizado. A lentidão do sistema judicial e a complexidade regulatória afastam investidores estrangeiros.

O governo reconhece o problema e avança com algumas soluções, como a revisão do Código dos Contratos Públicos. No entanto, estas medidas são insuficientes face à dimensão do desafio. O país precisa de uma reforma profunda da Administração Pública.

A reforma deve ir além da “digitalização” da burocracia. É necessária um reengenharia de processos que os acelere. É difícil de conceber que, em pleno século XXI, as empresas continuem a ser penalizadas com custos de contexto e por um sistema público ineficiente.

O objetivo deve passar por evitar que mais empresas sejam vítimas de “trapalhadas burocráticas”, como as “530 notificações”. Caso contrário, não é só o presente do país que fica comprometido, mas também o futuro.