Não faço ideia para que público falo. Não sei se trabalham, se são influencers; se são pessoas mentalmente sãs, se são vegan; se têm hábitos de higiene, ou se consideram que o Pipy veio responder a uma necessidade do mercado. Ciente dessa falta de conhecimento, tenho de me arriscar e tocar em temas com os quais potencialmente se identifiquem mais ou menos.
Quero falar da linguagem corporativa. Que mundo é este em que temos forçosamente de adaptar a forma como um grupo de pessoas, cujo único ponto em comum é terem o mesmo S.A. ou L.D.A. no recibo de vencimentos, fala a todo o tempo?
Para quem eventualmente esteja confuso, uma página que acaba em .com.br explica: "Linguagem corporativa é um conjunto de termos, expressões e formas de comunicação usados no ambiente empresarial."
Comecemos com o primeiro termo: colaborador.
Aparentemente, a figura do trabalhador foi extinta. Já não há força de trabalho. Eu colaboro com a minha empresa, que estabelece exatamente quantas horas e quantas vezes por semana é que eu tenho de colaborar. É informação que consta, aliás, do meu contrato de colaboração, naturalmente regulado pela lei – o Código da Colaboração.
Tenho até usado esta expressão fora do local de colaboração. Por exemplo, no outro dia, quando abordado por um pedinte na rua disse-lhe: "Vai colaborar, que tens bom corpo."
O segundo termo que está já totalmente impregnado no contexto corporativo é tema.
O tema é o novo assunto, problema, tópico, motivo, reticência, preocupação, obstáculo. Incrivelmente, mantém-se também útil quando queremos dizer efetivamente tema.
A palavra tema conquistou um espaço de tal maneira notório que, no outro dia, quando rejeitei um jogo de futebol da empresa por ter partido dois dedos do pé, o meu interlocutor respondeu apenas: "Sem tema."
Recentemente fui convocado para uma reunião call. Cheguei atrasado, porque tinha estado a acabar de colaborar noutro tema, e ouvi alguém dizer que tínhamos um problema. Para surpresa dos meus ouvidos, um homem interrompeu e disse: problema não, desafio.
Meus queridos, estou a perder a paciência. Desafio?
Desafio é comer uma daquelas francesinhas de 15kg numa hora sem vomitar o esófago. Alguém aqui alguma vez contactou um canalizador por causa de um desafio na pia?
Não sei se ainda vos tenho comigo. Vamos arriscar um bocadinho mais e virar-nos para os termos mais anglo-saxónicos.
Quando querem aprovação de um superior para avançar com determinada ideia, os colaboradores vão atrás de quê? Da validação? De luz-verde? Não. Vão atrás do go. Aqui naturalmente representando o imperativo do verbo "ir" (em inglês). Para os eleitores do Chega, o imperativo do verbo "ir" é "vai".
Mas se, quando há validação, existe o go, quando não há validação, existirá – logicamente – o don’t go. Certo? Errado. Aí aplica-se o no go.
Inacreditável, eu sei. No go. Os únicos dois contextos em que eu já ouvi a expressão no go foi numa call; e em 2007, quando num resort tudo incluído na Tunísia tentei ir à piscina à noite e o cidadão tunisino que estava a fazer a manutenção me quis impedir de entrar.
Por acaso, nessas férias tive a oportunidade de fazer mergulho. Mergulho se calhar é exagero: fiz snorkeling com amêijoas, pronto. Mas até preferi assim, que eu gosto do meu mergulho como a TVI gosta dos concorrentes do Big Brother: com pouca profundidade.
Por isso entenderão que, na sexta-feira, quando numa reunião da empresa me disseram que íamos fazer um deep dive, me tenha assustado um bocadinho. Vocês sabem como são as empresas com as dinâmicas de team-building.
Felizmente, era só uma metáfora para discutirmos um tema a fundo. Ainda bem.
Como é aquele ditado, que diz que trabalho é trabalho e brincadeira é brincadeira?
Isso: colaboração é colaboração, conhaque é conhaque.
Comediante Estagiário