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O Continente com três aeroportos ou um aeroporto para o Continente?

É evidente que o investimento massivo imposto pelo Governo central em Lisboa vem à custa da necessidade de estagnar o Porto e, a seu tempo, Faro, também.

A recente decisão de não avançar com obras de maior envergadura no Aeroporto do Porto não é um acaso técnico, nem uma prioridade revista por falta de necessidade. É, acima de tudo, uma escolha política, com contornos económicos e estratégicos claros: proteger a viabilidade do mega-aeroporto que se quer construir na região de Lisboa.

A mesma entidade concessionária, a Vinci, detém os três aeroportos do Continente e é evidente que o investimento massivo imposto pelo Governo central em Lisboa vem à custa da necessidade de estagnar o Porto e, a seu tempo, Faro, também. Se é verdade que o aeroporto do Porto tem vindo a afirmar-se como uma verdadeira porta de entrada e saída do noroeste peninsular, incluindo a Galiza, o que é menos falado é que cada nova rota direta à partida do Porto (e de Faro, também) reduz o número de passageiros nacionais que precisam de viajar por Lisboa ou via Lisboa de várias partes do nosso país – e que com isso se esvazia um pouco mais o aeroporto da Portela.

Esta é precisamente a realidade que incomoda os interesses por trás do novo mega-aeroporto e este projeto não é apenas uma infraestrutura de transporte: é uma aposta financeira gigantesca, com riscos associados que exigem, para ser rentável, a drenagem máxima de tráfego aéreo do restante território nacional. É justamente por isso que se quer desviar o traçado do TGV para ligar todo o território ao novo aeroporto lisboeta, de forma a garantir que qualquer passageiro, esteja onde estiver, vá parar ali.

No entanto, aquilo que é apresentado como progresso para o país é, na prática, um incentivo ao desequilíbrio territorial crescente. Para as companhias aéreas, esta centralização aeroportuária será bem-vinda porque permitirá criar escala num único aeroporto principal em vez de ter de distribuir os seus esforços comerciais e operacionais por várias portas de entrada.

Hoje, a Portela – teoricamente “esgotada” – concentra 61% de todo o tráfego de passageiros do Continente e é este valor absolutamente absurdo e injustificável que se deveria procurar descentralizar e distribuir. Pelo contrário, o mega-aeroporto de Lisboa só funcionará de forma rentável se conseguir sugar ainda mais o tráfego nacional – 80% ou 90% – e é por isso que se querem colocar todas as infraestruturas – pontes, comboios e autoestradas – ao seu serviço.

Se, por força desta estratégia de política pública aeroportuária, Lisboa se tornar o “hub” incontornável do Continente, o resto do país será, apenas e como sempre, paisagem… e ficará refém de uma estratégia que não serve o equilíbrio territorial, nem a coesão nacional.

A projeção e disponibilidade financeira de investimento que é decidida hoje nas infraestruturas é o resultado direto desta escolha política. Mas a alternativa existe e começa com uma exigência clara: permitir ao aeroporto do Porto crescer com políticas próprias, gestão autónoma e investimento focado. Isso só será possível de duas formas: ou mudamos os decisores de política pública ou desanexamos o Porto do atual contrato de concessão, que amarra os seus destinos ao sucesso do mega-aeroporto de Lisboa.

As próximas eleições legislativas deveriam ser o momento para trazer este debate à agenda partidária. Os eleitores do Norte, mas também do Centro, do Algarve e das regiões que não querem ser satélites de Lisboa deveriam unir-se e exigir dos seus representantes uma posição clara e descentralizada da política pública.

Um país equilibrado precisa de uma rede aeroportuária distribuída, não de uma capital a puxar tudo para si. É tempo de escolher: queremos o Continente com três aeroportos principais, ou um aeroporto na capital com um país à sua volta?

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo