Enquanto a realidade internacional avança a um ritmo de disrupção sem precedentes, Portugal continua obcecado com o acessório. Vive-se uma sucessão infindável de polémicas e suspeições. O foco parece recair mais sobre os protagonistas do teatro político do que sobre o cenário em que o destino do país se desenrola. A recente “investigação preventiva” aos imóveis do candidato do Partido Socialista a primeiro-ministro, anunciada pelo Ministério Público, é o mais recente episódio desta novela em capítulos diários. Denúncias sem inquérito aberto bastam para incendiar o espaço público. Não se questiona o escrutínio. Ele é, aliás, essencial numa democracia robusta. Questiona-se, sim, a ausência de escala e de prioridades.
E, como se não bastassem as disfunções da política, até o entretenimento em horário nobre se transformou agora num tribunal humorístico sem limites. Temas gravíssimos e extremamente sensíveis, como o é o caso do envolvimento de menores em atos sexuais, são julgados à gargalhada, sem ponderar o impacto real nas vítimas, nas famílias destas e na sociedade. As vítimas são revitimizadas gratuitamente no espaço mediático.
A Justiça deve trabalhar, com certeza. E em silêncio. O país, esse, precisa de trabalhar mais do que nunca, e com foco. Não podemos continuar a adiar o essencial por causa do ruído do acessório. Estamos à beira de uma nova vaga de disrupção económica e social, moldada por fatores externos avassaladores, como as tarifas protecionistas de Trump ou a crescente instabilidade dos mercados financeiros. O mundo vai mudar de forma drástica, e Portugal não está sequer a olhar na direção certa. A não orientação da consciência nacional para a verdadeira magnitude do que aí vem é, no mínimo, irresponsável.
Veja-se o setor da habitação. Segundo Banco de Portugal, os preços subiram 83% em termos reais entre 2013 e 2023, quase o triplo do crescimento em Espanha. A juventude portuguesa, especialmente a mais qualificada, está a ser expulsa do país, empurrada para a emigração. A oferta de casas não acompanha a procura, a burocracia asfixia o investimento, e os trabalhadores da construção civil escasseiam. Há soluções, como a revisão urgente da Lei dos Solos, mas são travadas por debates políticos que se tornam arenas de combate e não fóruns de construção.
E tudo isto enquanto o investimento público, alicerçado nas verbas do PRR, continua impraticável. Recentemente, o país viu-se obrigado a enviar a Bruxelas um pedido dereprogramação da “bazuca”, por falta de mão de obra disponível para executar os investimentos que requerem obras. É gritante a incapacidade que Portugal parece ter para executar fundos comunitários com a eficácia que o desenvolvimento do país exige. O horizonte de 2026 aproxima-se e o país arrisca-se a falhar, por mera paralisia interna, o maior pacote de financiamento da sua história recente.
Mas não é só a habitação. É a produtividade, a demografia, a sustentabilidade da Segurança Social, a fuga de talento, a transformação digital, a adaptação climática. É o tecido económico cada vez mais frágil e desajustado estruturalmente, num país onde o tempo político se gasta em guerras fratricidas em vez de reformas estruturais.
O caso da Madeira deveria ser lido como um sinal do que os portugueses anseiam. Os eleitores optaram pela estabilidade. Estão cansados e querem soluções. O país real está exausto de escândalos, insinuações e jogadas de bastidores. A queda constante de governos, o julgamento permanente na praça pública, e os sucessivos atos eleitorais, como o que agora custará mais 25 milhões de euros aos cofres públicos, tudo isto é o sintoma de um sistema político doente e incapaz de gerar decisões com base no mais elementar princípio económico do custo-benefício.
Portugal, uma economia pequena e aberta, está a olhar-se ao espelho. Vê as rugas, vê os olhos cansados, mas mantém-se entretido. Não vê o abismo que vem de fora.
Professor Associado e Coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia