Diz o povo que quem não tem memória não tem vergonha e estes tempos pré-eleitorais são bom diagnóstico de quem padece de esquecimento crónico e vai apagando registos, até recentes, de limites ultrapassados sem qualquer peso na consciência.
Os sintomas são claros, por exemplo, quando nos tentam vender uma moderação exemplar, que não encaixa nos retratos tirados até à véspera da entrada em funções de um experimentado consultor de comunicação ao serviço do já não jovem turco que queria deixar os banqueiros alemães com as pernas a tremer. (A frase completa, que saiu da boca de Pedro Nuno Santos em dezembro de 2011, era então vice-presidente da bancada parlamentar socialista: "Estou-me marimbando para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro nas condições em que nos emprestaram. Estou-me marimbando que nos chamem irresponsáveis. Nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida. E as pernas dos banqueiros alemães até tremem.")
Mas a teoria de que a idade faz milagres vai vingando em alguns círculos onde nos tentam vender que é roupa fina a nudez que temos diante dos olhos e que aquele já não é o mesmo homem que em 2022 apresentou um aeroporto novo às escondidas do seu primeiro-ministro, que geria a TAP como os grupos de amigos do WhatsApp e que há um par de anos acreditava que resolvia a falta de casas tomando a si, pela força, a decisão sobre a propriedade alheia e privada. O próprio Pedro Nuno Santos, que teve na mão durante quatro anos as decisões da pasta da Habitação e repetidamente prometeu morada digna para todos os portugueses, acabou por sair do governo ao fim de mais de sete anos, deixando apenas casas de papel e um rasto de iniciativas proibicionistas e estatizantes, bem demonstrativas da veia radical que agora vai tentando disfarçar. Medidas que só conseguiram provocar o maior aumento de rendas desde 1994, agravando ainda mais uma crise de há décadas.
O líder não está sozinho, claro. Honra seja feita a Fernando Medina, que mantém a verticalidade com que enfrentou, enquanto ministro das Finanças e mesmo que não fosse sempre bem sucedido, as derivas radicalizantes e tentações populistas que agora parecem ter rédea solta, as mesmas que Sérgio Sousa Pinto sempre combateu e que levaram agora ao afastamento de ambos. Mas estes são a exceção nesta reconstrução da história, que conta com boa parte daqueles que participaram da última década de governação socialista.
Agora, os mesmos que durante quase uma década, metade dela em maioria graças à geringonça feita por Pedro Nuno Santos com a extrema esquerda, prometeram médico de família para todos e deixaram de pantanas o SNS, acusam o governo da AD de nada ter feito pela saúde dos portugueses em 12 meses de governo. Quando, na verdade, até há mais médicos a atender as famílias desde que Montenegro entrou. E enquanto justifica com "eleitoralismo" as soluções que Montenegro foi conseguindo encontrar para a profunda insatisfação em que o executivo socialista deixara professores, médicos, forças de segurança, o líder socialista critica as alterações feitas para pôr finalmente a funcionar a organização criada pelo PS para substituir um exemplar Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, desfeito para salvar a pele a um ministro.
Os socialistas que por três vezes chamaram o FMI a intervir em bancarrotas (Mário Soares em 1977 e 1983, José Sócrates em 2011) e que na última e mais violenta dessas chamadas se revoltavam contra a austeridade imposta pela troika para tirar Portugal da falência em que tinha deixado o país (sem dinheiro sequer para pagar salários públicos e pensões), arrogam-se agora a fama de zeladores das contas públicas. E os mesmos protagonistas que encabeçaram as críticas à trajetória de Passos Coelho e Vítor Gaspar para endireitar o barco o mais rápido possível já não dizem que as dívidas são para gerir; até nos tentam convencer que nunca defenderam que os excedentes deviam ser sacrificados em nome do Estado Social.
E depois há o IRS, cujas alterações foram aprovadas no formato que o próprio PS exigiu, ao impor o seu projeto ao da AD na Assembleia, querendo Pedro Nuno Santos convencer o povo — que não recebe reembolso porque o dinheiro, por uma vez na vida, ficou desde o início no bolso daqueles que trabalharam para o ganhar — que a culpa é da AD. Em lugar de pugnar pela constatação honesta e séria de que um fisco 100% eficiente não reteria um cêntimo mais do que o valor devido por cada contribuinte e a conta final daria quase sempre zero, monta-se na iliteracia financeira dos portugueses (que contribuiu para alimentar ao chumbar a ideia de ensinar finanças pessoais nas escolas) para dizer que é truque de Montenegro, por ter feito "alterações excessivas" às tabelas de IRS. Como um paizinho previdente diante do filho esbanjador, diz até que foi uma maldade que se fez aos portugueses, que não sabem poupar e preferem receber o que é deles com um ano de atraso, porque "estão habituados a que seja assim" — leia-se, que o governo fique com parte dos salários dos contribuintes que não lhe é devida.
Porque Pedro e os amigos estão mesmo convencidos de uma coisa: nenhum português sabe melhor do que eles o que fazer com o seu próprio dinheiro.
Haja memória...