"É preciso derrotar Moedas." É esta a motivação com que o PS avança para Lisboa, com as palavras de Mariana Vieira da Silva (disse-o assim mesmo, em entrevista à Renascença) a revelar com toda a honestidade aquilo que hoje move os socialistas em todas as suas empreitadas: deitar abaixo o partido ao qual historicamente se aliou sempre que era necessário trazer mudanças estruturais ao país.
Ainda que distintos, PS e PSD sempre foram capazes de encontrar (sobejos) pontos de contacto, pontos de partida para entendimentos que permitiram avançar em temas estruturais e que requeriam consenso alargado, combatendo com sucesso os ímpetos extremistas que à esquerda sempre se quiseram impor e apenas recentemente abriram via na direita, com a ascensão do Chega.
Mas esse tempo acabou. O fito do PS deixou de ser um projeto para o país. A vontade de melhorar a vida dos portugueses (ainda que se pudesse discordar dos caminhos) foi secundarizada. Recuperar o poder — que os socialistas consideram seu direito inato, sem conseguir disfarçar o sentimento de espoliação quando dele são afastados — é agora a prioridade, assumida sem complexos. E os consensos antes procurados foram convertidos em negócio e chantagem — "se a esquerda não nos ajudar, a direita vencerá; e é preciso afastar a direita". Como se houvesse um centro democrático e um não democrático que há que esmagar a todo o custo.
A radicalização que Pedro Nuno Santos e companhia trouxeram ao PS não ajuda ninguém — nem sequer quem se senta agora mais perto desse socialismo travestido, que melhor se encaixaria nas trincheiras do Livre e do Bloco, o que provavelmente não desagradaria ao seu secretário-geral nem à agora candidata a liderar Lisboa. Mas o sucesso de Leitão seria a obliteração de Tavares, de Mariana e até do inefável João Ferreira (candidato comunista a qualquer eleição que não seja encabeçada pelo querido líder).
A verdade é que Alexandra Leitão — que já em 2023, quando rejeitou o lugar que Costa lhe quis dar no Parlamento, assumia a vontade de liderar uma autarquia — não é propriamente consensual no PS. Recorde-se que Duarte Cordeiro só não é candidato porque recusou avançar enquanto decorrerem as investigações dos casos Influencer e Tutti-Frutti. E se agora Pedro Nuno Santos diz que é ela "a candidata mais forte que o PS podia oferecer", ainda há um mês Leitão era atacada pelo seu próprio partido, após ter deixado a Comissão Política da FAUL, depois de Ricardo Leão (recandidato a Loures pelo PS) ter aventado que quem não paga a renda devia ser despejado das casas camarárias.
Resta saber quando irá a agora anunciada candidata a Lisboa deixar o palco da Assembleia, onde mantém todo o protagonismo como deputada e líder parlamentar do PS. E se irá seguir Costa e Medina na opção de manter o privilégio do palco mediático, continuando a escrever quinzenalmente uma coluna no Expresso e a comentar a atualidade aos domingos, na CNN, até começar a campanha autárquica.
Bem esteve Mário Centeno ao dizer com todas as letras que refletiu e não será candidato a Belém. Não que isso venha servindo de muito a outros que se garantem afastados dessa corrida (Pedro Passos Coelho tem de repetir semanalmente que não é candidato), e talvez até gostasse de avançar, mas o ainda governador do Banco de Portugal (BdP) é inteligente e sabe do que a sua casa gasta.
E teve tempo para digerir a frase de Pedro Nuno Santos na entrevista de outubro à CNN, quando lhe atiraram para o colo a ideia de apoiar Centeno à Presidência: "É um bom candidato, mas nós temos muitos outros nomes que eu acho que são bons candidatos. Augusto Santos Silva, António Vitorino, António José Seguro, Ana Gomes", enumerou, ficando à porta de assumir que qualquer outro lhe serviria melhor.
Centeno entendeu, e bem, que seria um sapo que Pedro Nuno evitaria engolir, depois de ter sido a solução de último recurso de António Costa para impedir que o mais radical dos jovens turcos chegasse à liderança do PS. Por muito que agora se finja indignado porque o governo pode não reconduzir alguém "tão competente e preparado no Banco de Portugal", as hipóteses de Centeno ser o candidato de Pedro Nuno desfizeram-se em cinzas quando Costa deitou às urtigas o princípio da independência dos reguladores e avançou a hipótese de deixar o governador do BdP no seu lugar, dispensando legislativas e fugindo à transferência de poder no PS que podia atirar o partido para as mãos de Pedro Nuno (como sucedeu).
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