"Seja assi, senhora, seja assi; e eu vos prometo
Em nome de todo este Reyno, que elle agradecido
Levante um tropheo a Vossa Immaculada Conceição,
Que vencendo os séculos, seja eterno monumento
Da Restauração de Portugal”.
Frei João de S. Bernardino
(Sermão do dia 8 de dezembro de 1640).
De novo, a 8 de dezembro – antigo Dia da Mãe – se comemora no calendário litúrgico o Dia da Imaculada Nossa Senhora da Conceição, que em Vila Viçosa toma contornos peculiares, por se ter tornado Terra de Peregrinação.[1]
Tal deve-se a que nesta castiça e importante Vila do Além-Tejo existe um Santuário dedicado à mãe de Jesus mandado construir pelo Santo Condestável D. Nuno Álvares Pereira, que encomendou em Inglaterra (quando esta ainda não se tinha desviado do caminho do Bem), uma estátua de Nossa Senhora da Conceição, que ainda hoje repousa sob o Altar-Mor; e por, em 1646, o Rei D. João IV, ter coroado Nossa Senhora da Conceição, Rainha de Portugal, fazendo com que, desde então, nenhum monarca português tenha usado coroa (a não ser no ato da coroação) em ação de graças por se ter restaurado a coroa de Portugal, num português de origem, voltando-se assim a ter novamente uma dinastia portuguesa, o que a dinastia Filipina (dos Habsburgo) tinha interrompido.
Este voto nunca foi quebrado, virando tradição até à infausta queda da monarquia ocorrida no fatídico e lutuoso dia, 5 de outubro de 1910.
A I República de cariz jacobino, maçónica e ateia, tentou destruir todos os valores subjacentes, os quais, porém, não esmoreceram na alma da maioria da população, que nunca deixou de peregrinar ao Santuário da sua devoção.
Hoje, este ato é um dos já poucos que restam do "Portugal antigo e profundo", que enformavam a matriz cultural da velha Nação Portuguesa. Reminiscências que são olhadas com desamor, indiferença e até repúdio, por grande parte da actual sociedade portuguesa eivada de viciosas práticas e atravessada por ideias abjetas que nada têm a ver com a velha casa lusitana. São-lhe até blasfemas, insultuosas e subversivas.
Sem embargo, ainda convergem em Vila Viçosa a 8 de dezembro, uma cópia razoável de portugueses crentes e patriotas; a população da Vila, através das suas "forças vivas" ainda se mobiliza para o evento, que conta com a prestimosa colaboração de bombeiros, banda de música, escuteiros e da Confraria de Nossa Senhora da Conceição, que tem a seu cargo a manutenção do Santuário e a preservação das suas tradições e culto.
O Arcebispado de Évora também não deixa os seus créditos por mãos alheias. Delegações de estudantes da Universidade de Évora marcam presença e honram a procissão com a deposição das suas capas no átrio da Igreja/Santuário. A procissão abre com um andor do Grande Condestável do Reino, D. Nuno Álvares Pereira, hoje São Nuno de Santa Maria – a quem Portugal muito deve a sua existência – e percorre as principais artérias e praças da Vila que se encontram engalanadas com colchas nas janelas (e já se viram mais…) que estão cheias de gente (nem todos porém se comportam como participantes, mas como simples observadores). E é curioso ver no Santuário e na procissão um número elevado de africanos de tez negra, seguramente nacionais oriundos dos portuguesíssimos territórios ultramarinos que, em funesta hora, uma catastrófica "ventania histórica", nos levou.
Eles também eram verdadeiros portugueses por integração, que uma lenta amalgamação de séculos ia promovendo. Não havia (nem haverá) nada no mundo que se lhe pudesse assemelhar. A meio do percurso da procissão, juntam-se à mesma, os peregrinos que se deslocam a cavalo ou em charrete, encabeçado por militares do Regimento de Cavalaria 3, aquartelado em Estremoz (cidade que sempre foi praça-forte e bastião de defesa da fronteira), em representação do Exército.
O culto, devoção e importância da Senhora da Conceição, levou o Rei, Senhor D. João VI – monarca injustamente vilipendiado e em muitos casos mal aferido, que mãos ainda hoje desconhecidas assassinaram (tudo leva a crer), em 1826 –, a decidir fundar uma Ordem Real, dinástica, em 6 de fevereiro de 1818 (dia da sua Aclamação), estando no Rio de Janeiro, a que deu o nome de Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, que ainda hoje existe, no seio da Casa Real Portuguesa, e que se faz representar nas cerimónias participando na peregrinação e marcando presença na procissão e na Santa Missa, que se lhe segue.[2]
Por esta ocasião a Real Ordem (que é tutelada pelo herdeiro da Coroa Portuguesa D. Duarte Pio de Bragança, e Grão – Mestre da mesma) oferece, além de um óbolo ao Santuário, uma moeda de ouro, réplica daquela que o segundo filho de D. Maria I mandou cunhar aquando da fundação da mesma.
Longa vida à Peregrinação de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, que se realizará enquanto restar um português: Hossana, Hossana, Rainha de Portugal; Hossana, Hossana, Virgem Maria, assim reza o cântico.[3] E que o Dia da Mãe (a Mãe como fonte de vida) volte a ser neste dia, o que nunca devia ter deixado de acontecer, apesar da consideração ponderosa apresentada pela Igreja.[4]
“Salve, nobre Padroeira
Do teu povo protegido
Entre todos escolhido
Para o povo do Senhor”.
De todo o Reino como preito de homenagem e vassalagem à Mãe do Céu.
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] O Dia da mãe comemorava-se desde há muito, no dia 8 de dezembro, mas foi mudado a pedido da Igreja para o primeiro domingo de maio (também ele, o mês de Maria), de modo a que o dia da Imaculada Conceição não perdesse o seu destaque. Pode considerar-se que o Dia da Mãe tem origem nas comemorações ocorridas na Primavera, na Grécia Antiga, em honra de Rehea, mulher de Cronos e mãe dos Deuses. Modernamente, o Dia da Mãe surgiu nos EUA, em 1858, através de uma iniciativa de Ann Maria Reeves Jarvis, que fundou os “Mothers Days Works Clubs” com o objetivo de diminuir a mortalidade de crianças nas famílias de trabalhadores.
[2] Esta Ordem possui uma insígnia onde tem gravado as letras AM (de Avé Maria e uma inscrição "Padroeira do Reino". Esta insígnia foi desenhada por Jean - Baptiste Debet (Paris, 1768 - Paris, 1848).
[3] A igreja apenas assumiu a crença da imaculada Conceição (conceção), em 1854, quando havia séculos já essa convicção era assumida pelos portugueses, o que ficou oficialmente consagrado a partir de 1646.
[4] Entendemos por "mãe", um ser humano do sexo feminino que concebeu de um outro humano, do sexo masculino. E se tal acontecer no âmbito da Sagrada Família, tanto melhor.