Após a Alemanha ter reforçado os controlos terrestres fronteiriços para diminuir a imigração irregular, geraram-se dúvidas sobre os seus efeitos na livre circulação consagrada no espaço Schengen e surgiram críticas de países vizinhos. Durante a sessão plenária no Parlamento Europeu (PE), os eurodeputados dedicaram dois debates ao assunto, que dividiu opiniões e não ajudou a União Europeia (UE) a “avançar um metro que seja”.

Cerca de 420 milhões de pessoas em 29 países podem mover-se livremente graças ao espaço Schengen, sendo que 30% dos europeus vive numa região fronteiriça, segundo a Comissão Europeia. “Tenho orgulho em viver no Espaço Schengen, e penso que todos nós temos, [é] o maior espaço de livre circulação do mundo”, disse a comissária europeia dos Assuntos Internos, Ylva Johansson.

Mais europeus ouviram falar deste espaço sem controlos nas fronteiras internas do que nunca, segundo o novo Eurobarómetro, que será publicado em breve. Esse inquérito "mostra também que demasiados dos nossos cidadãos e empresas têm experiências negativas com os controlos nas fronteiras”, disse a comissária.

“Sem passaportes, nem filas. É disso que se trata a Europa”, afirmou Ylva Johansson ao referir-se à recente adesão da Croácia, Bulgária e Roménia ao espaço Schengen. Reforçou ainda que “Schengen não é apenas a base da nossa prosperidade, Schengen faz parte da nossa identidade”, sendo que nos últimos cinco anos de mandato da comissária este espaço tornou-se “mais seguro”.

O Schengen sofreu uma “ambiciosa reforma”, na qual foi criado o Conselho de Schengen para que os ministros de cada Estado se reúnam e decidam as prioridades, assim como foi revisto o código das fronteiras de Schengen. A comissária garantiu ainda que “graças à reforma de Schengen levada a cabo neste mandato, estamos agora em muito melhores condições para lidar com os controlos nas fronteiras internas”.

“Os controlos nas fronteiras internas devem ser temporários, proporcionados e uma medida de último recurso, apenas perante uma ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna” devido ao “risco de comprometer os benefícios da livre circulação”. “Todos nós queremos travar os criminosos e os terroristas, mas não queremos travar as viagens, o comércio e o turismo”, realçou Ylva Johansson.

Atualmente, além da Alemanha, existem sete países da área Schengen efetuam controlos nas suas fronteiras internas (Suécia, Áustria, Eslovénia, Itália, Noruega, Dinamarca e França). A comissária relembra que através do diálogo conseguiram, em alguns casos, encontrar alternativas aos controlos, como patrulhas e investigações conjuntas, assim como esquadras de polícia conjuntas.

Ylva Johansson destacou ainda o pacto de migração e do asilo, que deverá ser implementado até meados de 2026. “O pacto ajudar-nos-á a proteger as pessoas, a proteger as nossas fronteiras e a gerir a migração de forma ordenada e tenho a certeza de que isso também reduzirá a necessidade que os Estados-Membros sentem de controlos nas fronteiras internas”, disse.

Desde o perigo da reintrodução indefinida dos controlos fronteiriços até ao mito de uma Europa sem fronteiras

O grupo Partido Popular Europeu (PPE, ao qual pertencem o PSD e o CDS) defendeu também que o pacto deveria ser implementado com rapidez para “retomar o controlo e reduzir a pressão migratória para a União Europeia”, assim como promover medidas que permitam o regresso de migrantes ilegais ao país de origem.

Também o grupo Renew (onde se integra a Iniciativa Liberal) reforçou que o pacto de migrações e asilo deveria ser colocado em vigor o quanto antes “porque é um pré-requisito básico para podermos prescindir de fronteiras internas no espaço Schengen”.

“A reintrodução de controlos fronteiriços, especialmente se isso acontecer indefinidamente, é um perigo”, afirmaram os Socialistas e Democratas (S&D, ao qual pertence o PS). Defenderam também que os Estados-membros deveriam recorrer a medidas alternativas como os controlos policiais conjuntos.

Enquanto A Esquerda (ao qual pertence o Bloco de Esquerda e o PCP), salientou que o “encerramento das fronteiras de Schengen é um retrocesso em direção a um passado que consideramos longínquo, um passado de separação e nacionalismo”. O grupo político acredita que a UE não deve ser dividida por “fronteiras e vedações” nem estar vedada aos “poucos privilegiados que, por acaso, têm os passaportes certos”.

Os Verdes/Aliança Livre Europeia afirmaram que a UE assenta no “pilar da segurança, mas assenta também no pilar da liberdade e no pilar da justiça”. Por considerarem que a introdução de controlos fronteiriços na Alemanha foi desproporcionada, dizem esperar que a “Comissão Europeia faça cumprir a lei, que o Código das Fronteiras Schengen seja finalmente aplicado”.

Por outro lado, o grupo Patriotas pela Europa (PfE, onde está o Chega) encara como um “mito” a ideia de que é possível ter uma “Europa sem fronteiras, que supostamente nos conduziria à paz e à prosperidade”. “Um mundo sem fronteiras é um mundo de máfias, de contrabandistas, de ataques islamistas, de tráfico, de concorrência desleal e de todo o tipo de violência”, avisaram ao criticar a distribuição equitativa prevista no pacto de migrações.

O grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR, direita radical) partilha uma posição semelhante ao PfE. Criticaram o pacto que dizem ser inventado para compensar os “erros da Alemanha [no controlo da imigração]”, que agora vão ser “pagos pelos seus vizinhos”. Contudo entendem que “as fronteiras externas da Europa devem ser defendidas com firmeza, e não a destruição da maior conquista da União, o espaço Schengen”.

Também o grupo Europa das Nações Soberanas (ESN, extrema-direita) afirmou que “há anos que milhões de pessoas entram ilegalmente no nosso continente e a União Europeia não está a conseguir proteger as nossas fronteiras externas”. Declararam ainda que “em qualquer outra parte do mundo isto seria uma questão natural, mas na Europa, países como a Hungria, que protegem as suas próprias fronteiras, estão a ser penalizados por isso, [o que] é inacreditável”.

“As fronteiras da Europa não estão desprotegidas” diz a Comissão Europeia, mas deputados divergem sobre a Frontex

Durante o debate desta quarta-feira sobre o reforço da segurança nas fronteiras externas da Europa com o apoio da Frontex (Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira), os partidos voltaram a dividir-se. Alguns defenderam o reforço deste sistema não pode ser guiado por “fantasias de abolição das fronteiras”, enquanto outro salientaram que tornar Bruxelas responsável pela gestão das fronteiras externas da União Europeia é “irresponsável e inaceitável”. Houve apoio à Frontex desde que respeite os direitos fundamentais, enquanto outros acusaram a agência de ser um “fracasso” por desrespeitar “impunemente” esse direito.

“Ouvi dizer a Frontex é uma organização criminosa e do outro lado ouvi dizer que a Frontex é uma agência de viagens”, afirmou Margaritis Schinas, vice-Presidente da Comissão Europeia, que reiterou que estas acusações não integram a política da agência europeia. Em resposta aos eurodeputados, relembrou quando, em março de 2020, aldeões em Evros aplaudiram as forças da Frontex que vinham ajudar as autoridades fronteiriças gregas a manter a fronteira da Grécia quando “20 milhões de pessoas desesperadas foram instrumentalizadas na região do Evros, na fronteira entre a Grécia e a Turquia”. Margaritis Schinas afirmou que o debate “dogmático” que ocorreu não “ajuda a avançar nem um metro”.

O vice-Presidente garantiu que a segurança das fronteiras externas da Europa é uma prioridade fundamental para a Comissão, sendo que no último mandado a capacidade de reforço das fronteiras foi “testada de uma forma sem precedentes”. Como tal, foram “introduzidas melhorias regulamentares que servirão muitas gerações vindouras”. Uma das quais, a digitalização dos documentos de viagem, foi implementada na terça-feira.

As alterações nos regulamentos significam que a “fronteira externa não será apenas uma linha geográfica, será um local onde o nosso poder regulamentar será evidente e se aplicará”. Margaritis Schinas indicou ainda que orçamento para a gestão das fronteiras na União Europeia mais do que triplicou nos últimos três financiamentos. Também foi proposto que o número de agentes da Frontex, que atualmente conta com 10.000, fosse triplicado.

“As fronteiras da Europa não estão desprotegidas. E, à medida que modernizamos as nossas capacidades através de sistemas digitais e reforçamos as nossas parcerias, continuamos, ao mesmo tempo, a manter-nos vigilantes e a insistir numa resposta mais forte e mais ágil à evolução das ameaças nas nossas fronteiras externas”, assegurou.

A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu