A semanas de completar seis meses de existência, temos hoje no país um governo enlatado por aquela que nunca deixou de ser a sua vontade em ter novas eleições, alargar a sua votação e entalado entre a ausência de uma bandeira ou um desígnio maior que fosse exequível ou aceitável. Tudo isto tem natural reflexo na negociação do orçamento de Estado para 2025 e o tal desvirtuamento do programa do governo a que se referira Miranda Sarmento, Ministro das Finanças, há uns bons meses, não era mais do que isso: a exigência da saída completa, mas bastante crucial do novo e terrível IRS Jovem por parte do principal partido da oposição, de forma a não reprovar o documento. Coisa que, com poucos ou nenhuns sinais, não aconteceu até hoje nas negociações.

Mas, bem vistas as coisas, este enlatado e entalado do governo de Luís Montenegro acabam por estar interligados de forma completa. Entenda-se o inaudível que está na vontade “estratégica” da AD: não vale a pena preocuparem-se muito com a segunda porque a ideia sempre foi e é apostar tudo na primeira.

Tem-se tido vários exemplos desta realidade, só que este estado de conservação foi mais do que evidente na gestão política dos incêndios recentes, no qual o Primeiro-Ministro só se preocupou verdadeiramente em falar para o eleitorado próximo do Chega.

Estava lá o manual completo: o inimigo externo por si só; a falta de visão; a linguagem; pouca ou nenhuma atenção ao que dizem os especialistas sobre a prevenção e a dificuldade cada vez maior no combate aos incêndios devido às alterações climáticas. Isso e a ausência concertada e constante de uma Ministra da Administração Interna que depois daquela comunicação já deveria estar num lugar administrativo de uma qualquer repartição do PSD.

Acontece que o Primeiro-Ministro faz em certa medida a mesma leitura nacional das últimas europeias que muitos fizeram, apostando na consequente queda do Chega numas eventuais novas eleições. Sabendo de antemão que a maioria desses eleitores voltariam ou recairiam no PSD. Naturalmente não sei se isso dirá melhor ou pior do PSD hoje, mas Montenegro joga disfarçadamente com esta realidade e a reunião de hoje com André Ventura também se explica por aí.

Qual o grande problema da AD no meio disto tudo? O óbvio e aquele com o qual comecei. O entalado. O novo “IRS Jovem” é uma grande porcaria, não existe nenhuma entidade que disfarce esta realidade e ter feito desta “a medida” (sem que haja outra), faz com a racionalidade natural do PS ao descartá-la por completo seja entendível pelos eleitores de esquerda e de centro-esquerda-centro hoje ou amanhã. A partir daqui e de a analogia que alguns fizeram com 2021, o quanto saíram prejudicados os partidos à esquerda do PS com quem existia um acordo parlamentar (sendo que a perceção para muito do eleitorado até ia além disso), e o principal partido da oposição no atual contexto que pratica isso todos os dias há seis meses, nunca fez ou faz qualquer sentido.

Manter o novo IRS jovem para não desvirtuar o programa do governo e passar o Orçamento de Estado com o Chega e a IL seria o pior para a AD e o país a médio-prazo. O que não invalidaria que isso fosse o melhor para Pedro Nuno Santos e o PS a curto, médio e longo-prazo.

Talvez a faca e o queijo na mão não tenha estado onde muitos julgavam que estivesse este tempo todo.