Estávamos em 1930 e os EUA estavam a entrar em recessão. Não era a primeira recessão das últimas décadas, nem seria a última, mas acabaria por ser a pior da sua história. Ficaria conhecida como Grande Depressão. Ainda hoje se estudam as razões dessa Grande Depressão. Uma das pistas para aquilo que poderia ter sido apenas outra recessão se ter tornado na Grande Depressão está na lei tarifária de 1930. A lei ficou conhecida por Smoot-Hawley Act, para que a história não esquecesse os legisladores Reed Smoot e Willis C. Hawley, que infamemente a patrocinaram. Os objetivos dos autores eram claros: defender os produtores americanos, manter empregos e estabilizar a economia doméstica. Não será novidade para a maioria dos leitores que falharam tremendamente em todos os objetivos.
O comércio livre beneficia todos os envolvidos, caso contrário não se chamaria livre. Ninguém se envolve numa transação voluntária se não esperar ganhar com isso. Quando se colocam entraves a uma transação voluntária impede-se transações mutuamente benéficas de acontecer. De um lado, alguns consumidores nunca irão consumir algo por ter ficado demasiado caro. Do outro, empresas perderão clientes e capacidade de investimento. Perdem todos, independentemente do país onde estiverem e do lado da transação em que estiverem.
Pode existir, claro, um ganho de curto prazo. Um dos quais é aquilo que os economistas chamam de ganho nos "termos de troca". Para percebermos, vamos imaginar que uma empresa vende o seu produto para um país estrangeiro por 100 euros. Agora imaginemos que esse país impõe uma tarifa de 50 euros a esses produtos. O produto passará a custar 150? Improvável. O mais certo é a empresa vendê-lo um pouco mais barato para absorver parte da tarifa e não perder demasiados consumidores. Vamos imaginar que a empresa passa a vender esse produto a 80, passando os consumidores a pagar 130 (80 do preço da empresa mais 50 da tarifa). Tanto a empresa como os consumidores perdem, mas na verdade o país até pode ficar financeiramente a ganhar: os consumidores pagam 30 a mais por cada unidade que compram, mas o Estado ganha 50, resultando um ganho líquido de 20 para o país. Se o Estado aproveitar esta nova receita para baixar outros impostos, o país até pode ficar mesmo a ganhar. Há, no entanto, duas condições para este ganho acontecer. A primeira é o país ser um grande consumidor daquele produto para incentivar a empresa vendedora a fazer o desconto. Se o país for pequeno, irrelevante para os negócios da empresa, ela pode simplesmente desviar as vendas para outro país se não conseguir vender a 100 como fazia antes. A segunda condição é ainda mais complicada: o país da empresa sobre a qual se impôs a tarifa não pode retaliar. Se retaliar, então o país até pode ganhar com a tarifa sobre aquela empresa/produto, mas perderá por outro lado porque algumas das suas empresas também perderão negócio no país alvo de tarifas.
No final, com a retaliação, ficam ambos os países a perder, ambos pior do que estavam no início do processo. Ambos perdem negócio, empregos, rendimento e capacidade de consumo.
Foi exatamente isso que aconteceu nos anos 30. Ainda a lei estava a ser discutida e já os parceiros comerciais dos EUA ameaçavam retaliar. Muitos estavam a passar pelas suas próprias crises e aproveitaram a desculpa dos EUA para também imporem medidas protecionistas sob pressão dos seus próprios empresários. Começou uma corrida às tarifas e o comércio internacional caiu a pique nos anos seguintes. A destruição do comércio internacional alimentou a Grande Depressão, mas teve ainda outro efeito menos visível: os países ficaram menos ligados entre si.
"Quando bens não cruzam fronteiras, soldados o farão" é uma frase atribuída a Frédéric Bastiat. Embora não haja provas de que ele alguma vez tivesse dito esta frase, ela reflete bem uma das suas ideias mais poderosas: o comércio internacional fomenta a paz. Quando os países têm fortes dependências comerciais, a probabilidade de irem para uma guerra é menor. Quando a destruição do adversário pode ter implicações no seu próprio bem estar económico, os incentivos a lutar são menores. Quando fica mais barato comprar recursos a um vizinho do que investir num exército para os ir roubar, é menos provável haver uma guerra. A onda de protecionismo dos anos 30 culminou na guerra mais sangrenta da história da humanidade. Não terá sido certamente a principal razão para ela acontecer, mas certamente não ajudou os países já estarem menos economicamente dependentes entre si do que nos anos 20.
Não demorou muito tempo para os EUA descobrirem o erro que tinham cometido. Menos de dez anos depois começaram a tentar remover tarifas, mas nessa altura já muitos setores estavam dependentes delas para sobreviver. Como muitas tarifas desencadearam retaliações, umas só seriam eliminadas juntamente com a retaliação.
Desenlaçar a rede de tarifas e retaliações produto a produto, país a país, demorou muito tempo, muito esforço diplomático. Foi um trabalho de décadas para que o mundo conseguisse voltar ao mesmo nível de trocas comerciais que havia nos anos 20. Os países desenvolvidos só voltariam a esses níveis já nas décadas de 50/60. Outros países só regressaram a esse nível na viragem para o século XXI. Aquilo que tinha sido destruído com uma lei, demoraria décadas a reconstruir. Pelo caminho, levámos com uma Grande Depressão e uma Guerra Mundial. Uma das mais duras e valiosas lições da história.
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