O tema dos conflitos de interesse na política portuguesa assemelha-se a uma comédia trágica, quase uma peça de teatro do absurdo, à qual ninguém consegue escapar sem comprar um bilhete. Todos sabemos que a política é um labirinto complexo, onde as questões delicadas merecem um olhar atento, em vez de críticas irresponsáveis que apenas alimentam as redes sociais com conversa vazia e desinformação.
Um exemplo claro dessa complexidade é a crise da habitação em Portugal. É um problema amplamente conhecido, que assenta num descompasso gritante entre a crescente procura e uma oferta reduzida, levando os preços das casas a níveis inacessíveis para a maioria dos cidadãos. O aumento da procura resulta de várias transformações significativas, como o crescimento da população residente (mais 400 mil pessoas desde 2018) e a expansão do mercado de trabalho (aumento de um milhão de trabalhadores na última década). Para agravar a situação, o turismo disparou em 2024, contabilizando 30 milhões de hóspedes!
A recente alteração à Lei dos Solos procura responder a estes desafios, com a ambição de equilibrar a oferta de terrenos e fomentar um crescimento urbano sustentável. O objetivo é tornar a habitação mais acessível, assegurando uma utilização equilibrada dos terrenos, sem comprometer a proteção ambiental ou incentivar a especulação imobiliária.
Qualquer partido que tente aproveitar a avalanche mediática sobre conflitos de interesse, estabelecendo uma relação causal entre este tema e a recente Lei dos Solos, parece, no mínimo, estar a agir de forma apressada. Em vez de promover um debate genuíno, que deveria ser tão específico como um café expresso, tão mensurável como o aumento dos números de satisfação dos clientes e tão atingível quanto uma correção de rumo para o crescimento urbano sustentável, esta estratégia comunicacional mal-amanhada transforma a questão numa simples manobra política para captar atenção. É como querer vender gelados em pleno inverno: ninguém quer comprar bilhetes para esta comédia que não faz rir!
A propósito de questões complexas, lembro-me de um texto recente de alguém que sugere a adoção de modelos nórdicos, como o blind trust, como a solução mágica para Portugal. Este conceito implica que os políticos entreguem a gestão dos seus bens a uma entidade independente, sem saber o que se passa. Embora essa abordagem funcione em contextos onde a transparência é a norma, em Portugal criaria buracos ainda maiores na responsabilidade e restringia o acesso à informação que os cidadãos agora têm e de que necessitam para avaliar a integridade dos seus líderes. Por que não, à boa maneira portuguesa, apostar em práticas que promovam um equilíbrio saudável entre a gestão privada e a responsabilidade pública, unindo transparência e eficácia?
Já agora e a propósito da tentativa de estabelecer uma analogia entre os conflitos de interesse na política e o artigo 378 do Código dos Valores Mobiliários: o artigo trata especificamente do abuso de informação privilegiada em sociedades cotadas, visando proteger a integridade dos mercados financeiros. Tentar aplicar esta lógica ao domínio político ignora as nuances essenciais da administração pública, onde o escrutínio deve abranger muito mais do que questões financeiras; deve centrar-se nas decisões que afetam a sociedade como um todo. No contexto político, a responsabilidade deve ser alicerçada na transparência e na prestação de contas. Assim, o debate sobre conflitos de interesse, tal como qualquer outro, precisa de ser orientado por factos e por uma análise rigorosa da legislação em vigor, em vez de cair no poço de generalizações ou juízos de valor que apenas geram burburinho.
Precisamos de um diálogo aberto que promova a transparência e a responsabilidade, permitindo que os cidadãos confiem na integridade dos seus representantes. Uma democracia saudável não se mantém apenas com leis, mas com a confiança que os cidadãos depositam no seu sistema político. Promover essa confiança através de relações claras entre o público e o privado é, sem dúvida, o caminho mais seguro para construir um futuro sólido e justo para todos. Portanto, talvez seja altura de fazermos uma pausa e refletirmos: em vez de assistirmos passivamente a este espetáculo cíclico de comunicação oportunista. Afinal, no hemiciclo, o verdadeiro protagonista deveria ser sempre o interesse público!
Consultora de comunicação