BMW: uma pérola resgatada pela família e que fez a sua fortuna
A Bayerische Motoren Werke AG, mais conhecida por BMW, é um dos maiores construtores automóveis mundiais, focado em gama alta e contando com 31 fábricas em 14 países. Com sede em Munique, emprega mais de 122.000 funcionários que trabalham em instalações espalhadas pelo mundo. A BMW registou números de vendas impressionantes nos últimos tempos, com mais de 370.000 automóveis entregues em 2024.
A BMW tornou-se um fabricante de automóveis em 1928, quando comprou a Fahrzeugfabrik Eisenach. O primeiro carro vendido como BMW foi o Dixi, mais tarde rebatizado como BMW 3/15, após a aquisição da BMW pelo fabricante de automóveis Automobilwerk Eisenach. Ao longo da década de 1930, a BMW expandiu a sua gama para carros desportivos e carros de luxo maiores.
Até à Segunda Guerra Mundial a BMW dedica-se a motores de aeronaves, motociclos e automóveis, mas durante a guerra concentra-se no motor de avião BMW 801. As motocicletas permanecem como uma linha lateral e a fabricação de automóveis cessa completamente.
As fábricas da BMW foram fortemente bombardeadas durante a guerra e no final a empresa é proibida de produzir quaisquer tipos de veículos motorizados ou aeronaves. Mas apesar disso consegue sustentar-se – dedica-se a panelas, frigideiras e bicicletas, artigos de grande procura na segunda metade dos anos 40. Em 1948, retoma a produção de motociclos e em 1952 relança-se em automóveis, com a berlina de luxo BMW 501 e depois com o microcarro Isetta. Mas a lentidão das vendas dos carros de luxo e as diminutas margens de lucro dos microcarros colocara a empresa numa situação financeira muito débil.
Foi nessa altura que os caminhos da família Quandt e da BMW se cruzaram.
Herbert Quandt e Harald Quandt injetam fundos para garantir a sobrevivência e independência da empresa. Embora os Quandt e a BMW não estivessem diretamente ligados durante a guerra, os fundos acumulados na era nazi pelo pai, Gunther, permitiram que os irmãos Quandt comprassem a BMW.
Gunther Quandt: o brilhante industrial nazi que fundou a dinastia
Filho de um fabricante de tecidos, Günther Quandt enriquece durante a Primeira Guerra Mundial através da produção de uniformes. Aproveita os anos entre guerras para adquirir, em condições favoráveis, empresas industriais que tinham falido devido à crise económica e à inflação massiva, tornando-se ativo noutras áreas de negócios.
Concentra-se na produção de baterias com a AFA Battery Works em Hannover e Hagen (hoje: Varta) e é rápido a aproveitar as oportunidades apresentadas pela ascensão dos nazis, oferecendo generosas doações ao partido NSDAP e tornando-se membro em 1933. Mantém relações estreitas e também privadas com nazis proeminentes – é pouco conhecido, mas muito relevante o facto de ter sido o primeiro marido de Magda, a famosa esposa e "mãe perfeita do regime" do ministro da propaganda nazi, Joseph Goebbels, que também adotou o seu filho Harald Quandt.
Günther Quandt ascende durante o período nazi, para se tornar num dos maiores magnatas de produção de armamento. Os trabalhos da AFA fornecem as baterias principais para submarinos e o famoso foguete V2 de longo alcance. Muitas das suas empresas resultam de apropriação a proprietários judeus, sob coação e com compensação mínima. Sabe-se hoje que pelo menos três das suas empresas fizeram uso extensivo de trabalhadores escravos, chegando a 50.000 no total.
Em 1937, Günther Quandt é nomeado o "Führer da Economia de Guerra" e Herbert (1910-1982), filho de Gunther e Magda, torna-se diretor de pessoal na empresa de seu pai.
Em 1943, e com o apoio direto das SS, Gunther e Herbert Quandt estabelecem um campo de concentração propriedade da empresa diretamente ao lado da sua fábrica de baterias de Hannover que explorou o trabalho de judeus e combatentes da resistência, bem como o trabalho forçado de prisioneiros franceses e checoslovacos. Selecionados para trabalhos forçados na fábrica de baterias de Quandt, os prisioneiros não recebem vestuário de proteção e são expostos a gases venenosos produzidos por metais pesados como o chumbo e o cádmio. Imediatamente à chegada, era-lhes dito que não sobreviveriam mais de seis meses.
No final da guerra, as forças aliadas organizam o julgamento de barões industriais como Flick, Krupp e os diretores do conglomerado químico IG Farben – que havia produzido o gás Zyklon B usado nas câmaras de gás – no Tribunal de Crimes de Guerra de Nuremberga por crimes contra a humanidade e escravidão. Alguns patrões industriais são condenados a vários anos de detenção e ao confisco da sua fortuna. No entanto, Günther Quandt consegue escapar à ação judicial – escapa para a clandestinidade na Baviera por um ano e quando é apanhado por tropas americanas usa argumentos abstrusos para se apresentar como vítima dos nazis e fica retido por apenas dois anos em 1946.
Algumas das suas fábricas de baterias ficavam dentro da zona de ocupação britânica. Ali, o seu filho, Herbert, não demorou a oferecer os seus serviços aos novos mestres e começou a produzir baterias para sistemas de armas britânicos. Embora fosse considerado como tendo "bagagem política", os ocupantes britânicos ofereceram-lhe proteção e, apenas algumas semanas após a rendição dos nazis, em maio de 1945, foi um dos primeiros a receber uma autorização de operação dos britânicos. E ajudou o pai, levando Gunther a ser considerado apenas como um "companheiro de viagem" e libertado.
A verdadeira razão pela qual Quandt nunca foi indiciado como criminoso de guerra foi "a retoma da produção ter tido prioridade imediata sobre o desejo de expurgar completamente a elite empresarial (...) A partir de 1947, os julgamentos de Nuremberga dos industriais assumiram sobretudo um carácter simbólico". Os industriais Krupp e Flick, que haviam sido condenados em Nuremberga, depressa voltaram às suas antigas posições no início da década de 1950.
A segunda geração Quandt toma conta da BMW
Após a morte de Günther Quandt, em 1954, o capital pertencente à Quandt Holding foi dividido igualmente entre os dois filhos Herbert e Harald (que tinham sido adotados por Goebbels). Em 1959, a família Quandt adquire uma participação maioritária na Bayerische Motoren Werke (BMW) e empenha-se em transformar a empresa num construtor de carros de primeira linha, visando sempre a Mercedes mas com um espírito mais desportivo.
A terceira e a quarta geração: do silêncio e da reclusão à evasão pública
Hoje, a família Quandt detém 50% do Grupo BMW e o resto do capital está aberto em Bolsa. A família tem uma fortuna estimada em 48 mil milhões de euros mas, não obstante a sua riqueza, tem vivido ensombrada pelo papel dos antepassados no regime nazi. Não restam dúvidas de que os Quandts devem a sua riqueza diretamente ao seu apoio ao regime nazi e à exploração sangrenta nos campos de concentração – algo que a família não está disposta a discutir. Nenhum membro da família foi indiciado pelos crimes ocorridos nos campos de concentração da empresa, nem a família pagou qualquer indemnização às vítimas que sobreviveram.
Um documentário recente, realizado por Eric Friedler e Barbara Siebert, conta a história da família e as origens da sua fabulosa riqueza. Os cineastas realizaram uma extensa pesquisa em vários arquivos alemães e estrangeiros, descobrindo documentos altamente comprometedores para a família.
Johanna Quandt, a terceira esposa de Herbert Quandt, uma mulher dura, que foi a matriarca da dinastia empresarial até à sua morte, em 2015, determinou o estilo discreto da família nas últimas décadas. Ela e os dois filhos raramente são fotografados e nunca deram entrevistas. Até ao dia da sua morte, a 3 de agosto de 2015, Johanna Quandt gozava do raro privilégio de ser a matriarca de família mais rica da Alemanha, liderando um pequeno clã integrado por ela e pelos seus filhos, Stefan e Susanne. A maior riqueza da "grande dama da BMW", como Johanna Quandt foi apelidada pela imprensa alemã, foi uma virtude que cultivou magistralmente durante toda a vida: transformar os donos de 46,7% das ações da empresa automobilística numa família quase invisível, distante do espalhafato mundano dos ricos e defensora ao extremo de um bem que não pode ser medido em dinheiro: a privacidade.
"Tornaram-se um exemplo para outros clãs. Qual é seu segredo?", perguntava uma revista alemã numa longa reportagem intitulada "Uma poderosa união". A resposta para aquela pergunta foi resumida numa frase: "A discrição está para a vida dos Quandt como a fanfarronice está para a dos oligarcas russos."
Uma história nunca desmentida conta que a balconista de um mercado perguntou a Johanna, depois de paga a conta: "A senhora é a sra. Quandt?". "Queria ser", respondeu a chefe do clã mais rico do país. Uma exibição de discrição que com o tempo se tornou a marca da família e um traço que manteve a matriarca e os seus filhos longe dos holofotes.
A família hoje
Quando Herbert morre, em 1972, a sua viúva, Johanna, e os filhos, Stefan e Susanne, herdam um império gigantesco. Johanna recebeu 16,7% das ações da BMW, Stefan 17,4% e Susanne 12,6%, além de participações em várias empresas. A recente morte da matriarca transforma os seus filhos nos maiores acionistas da empresa bávara.
Susanne, que usa o apelido do marido, Jan Klatten, ostenta agora o título de mulher mais rica do país. Nascida em 1962, herdou uma grande habilidade para os negócios e rapidamente começou a ver a sua fortuna crescer. Aos 19 anos, já era dona da empresa farmacêutica Altana, que ajudou a fazer crescer até deixá-la entre as 30 principais firmas do país. Em 2013, assumiu a presidência do conselho da SGL Carbon, empresa-chave no futuro da indústria automobilística – produz fibra de carbono, material usado em vários modelos da BMW.
Assim como a mãe, Susanne Klatten defende ferozmente a sua privacidade. Só que cometeu um erro que deixou marcas na sua vida privada e mostrou que ninguém está a salvo da imprudência. Há sete anos, não resistiu aos encantos de um vigarista suíço, que tentou extorquir-lhe 200 milhões de reais. O amante secreto tinha filmado os seus encontros amorosos e depois de conseguir perto de 5 milhões de euros em dinheiro vivo ameaçou divulgar os vídeos à imprensa se não recebesse mais 10 milhões. Susanne tomou coragem e denunciou à polícia a extorsão.
O escândalo já foi esquecido e Kletten tornou-se numa bem-sucedida empresária que, juntamente com o irmão, continua a multiplicar a riqueza familiar como no milagre bíblico. Só que, ao contrário do seu avô, Günther Quandt, que enriqueceu graças aos favores recebidos do regime nazi, os netos contribuem para vários projetos de beneficência e reforçam o culto ao bem mais valorizado pela família: a privacidade e o sigilo.
Empresário, Gestor e Consultor