Antes de mais, importa ter bem presente que a regionalização na perspetiva das nossas Regiões Autónomas adquire um sentido bastante diferente daquela que é a perspetiva das outras regiões do país. Partimos do pressuposto (audaz, admitimos) de que quando discutimos os importantes desafios do isolamento e as necessidades de desenvolvimento regionais, conhecemos bem o Portugal que temos para já não se fazerem comparações redutoras e descontextualizadas entre os nossos arquipélagos e o interior do país.
Feita esta referência, consideramos, no entanto, que o processo autonómico dos Açores e da Madeira pode ser visto como um exemplo, que ainda que requeira melhoramentos, quer nos aspetos de maior sucesso quer pelo que necessita claramente de ser ajustado, nos pode dar ensinamentos para o que poderá ser uma mais bem sucedida implementação da regionalização no resto do país.
Os primeiros ensejos para um governo autonómico nos Açores tiveram origem tanto em movimentos políticos, quanto em necessidades económicas e sociais. As condições geográficas (o "embaraço da geografia", como reescreveu o professor Avelino de Meneses), com o foco no distanciamento e no isolamento, assumiram especial importância para a criação de um Governo Autonómico. Desafios económicos específicos, como a dependência do setor primário, faziam urgir diferentes políticas. Desde a resistência liberal até ao movimento autonomista do final do século XIX, os açorianos lutaram por maior autogestão, alcançando finalmente um estatuto de autonomia consolidado na segunda metade do século XX.
Mas a história da administração açoriana foi sendo o reflexo da história dos Códigos Administrativos portugueses, com as suas tendências, mais ou menos centralizadoras ou descentralizadoras, conforme a filosofia política que os enformava.
A Revolução dos Cravos trouxe a democratização do país e abriu caminho para reivindicações autonómicas, sobretudo nos Açores, onde existiam movimentos independentistas.
Com a Constituição de 1976, Portugal adotou um modelo descentralizado, reconhecendo que certas regiões necessitavam de competências próprias para a sua gestão e desenvolvimento.
Nas vésperas do ano em que se comemorarão os 50 anos da Autonomia, é claro que esta conquista precisa de ser permanentemente renovada.
E é com a consciência de que se trata de um processo em desenvolvimento, mas também com a maturidade dos seus quase 50 anos, que o processo autonómico das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira pode oferecer importantes lições para um eventual processo de regionalização no continente português.
Desde logo, um dos principais ganhos, a adaptação das políticas públicas. Maior proximidade entre poder local e a população, facilitando a gestão de recursos e a implementação de políticas mais ajustadas às necessidades regionais.
Naturalmente, também a importância de serem bem definidas as competências ao nível da gestão local e as competências do governo central, sobretudo no que diz respeito a questões como a educação, saúde e infraestruturas. Para o processo de regionalização, será crucial definir de forma clara as competências regionais e garantir um equilíbrio que permita a eficácia da administração local sem criar sobreposições ou conflitos com a autoridade nacional.
A criação das regiões autónomas, particularmente no contexto das Açores e Madeira, está fortemente ligada a questões de identidade e cultura local. Dificilmente, hoje, alguém dirá que a autonomia não foi fundamental para que açorianos e madeirenses expressem melhor a sua identidade regional e cultural, fortalecendo o sentimento de pertença e coesão. Para o continente, o processo de regionalização deve também considerar as identidades regionais e garantir uma participação e uma cidadania ativa no processo de decisão. O envolvimento da população e a promoção de uma identidade regional podem ser fatores essenciais para a aceitação e sucesso do modelo regional.
Neste ponto, não podem também ser ignoradas as capacidades e a entrega dos nossos líderes. E se, a nível nacional, hoje já enfrentamos os desafios por todos conhecidos, a nível regional este tema pode assumir proporções ainda maiores, podendo ser tanto o fator de sucesso determinante para a viabilidade do modelo quando a sua ruína.
E, claro, as questões do financiamento. Tanto os Açores, como a Madeira recebem, a par das suas receitas próprias, como do financiamento comunitário, transferências financeiras do governo central para garantir o funcionamento das suas administrações. Trata-se de um regime fiscal e orçamental especial, dado o seu carácter insular e as dificuldades de integração plena no resto do país. No entanto, aqui continua válida a posição de J. G. Reis Leite, já com quase 30 anos, "a experiência tem também demonstrado que a norma constitucional que vincula os órgãos de soberania a corresponsabilizarem-se no financiamento regional é insuficiente para ultrapassar o défice crónico das regiões autónomas". Para um processo de regionalização no continente, uma das lições será garantir um sistema financeiro sólido e justo que permita às regiões, não apenas gerir as suas competências, mas também ter autonomia definida através de modelo de financiamento bem estruturado que considere as necessidades, as disparidades e as potencialidades regionais.
O processo de autonomização das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira proporciona uma experiência que deverá ser estudada com profundidade, aproveitando-se, inclusivamente, os ganhos que vierem a ser obtidos pela muito necessária revisão da Lei das Finanças Regionais, para o debate sobre a regionalização no continente. A autonomia política, a gestão local das competências, o financiamento adequado e a adaptação ao contexto regional são aspetos chave que devem ser considerados com especial cuidado. O sucesso do modelo autonómico das "ilhas adjacentes" mostra que a descentralização pode, e deve, resultar em maior proximidade entre os cidadãos e as suas necessidades, e a administração pública, mas exige um equilíbrio indispensável entre autonomia local e a coordenação com o governo nacional.
