Em vez de legislar e criar condições que permitam criar futuro para o país, os representantes eleitos para a Assembleia da República perderam definitivamente a vergonha e assumem dedicar-se apenas a impedir que a governação aconteça. Moção atrás de moção, comissão de inquérito atrás de comissão de inquérito... Em lugar de apontar caminhos de crescimento e desenvolvimento e caminhar para compromissos que levem a soluções para a degradação trazida ou agravada pelos últimos oito anos de volante à esquerda (incluindo a mais radical), os deputados que se sentam nas bancadas da oposição têm uma missão: aprovar a sua agenda em sucessivas coligações negativas, enquanto desgastam até derrubar governos a cada ano. Independentemente de quem se sente nos lugares executivos. Indiferentes àquilo que dita o voto popular.

Menos de um ano passado sobre umas eleições antecipadas pela queda de um governo de maioria absoluta (do PS), precipitamo-nos de novo para as urnas devido a uma crise fabricada em tubo de ensaio por um partido fustigado pela exposição da falta de qualidades dos seus deputados, engordada pela vontade mediática e desavergonhada de alimentar escândalos e amplificada por quem não aceita a escolha dos eleitores que não recaia sobre si. E os membros do governo, em lugar de governarem, multiplicam-se em sucessivas entrevistas e declarações à imprensa — surpreendentemente, sem que consigam saciar a sede de esclarecimentos que se instalou de repente.

Da incapacidade dos deputados eleitos pelo Chega não se falou mais e os crimes alegadamente cometidos entraram num buraco negro. As recém-mães despedidas pelo BE e os alojamentos locais dos promotores do fim do AL foram esquecidos. As assinaturas falsificadas pelo ex-candidato a Presidente liberal varridas para debaixo do tapete. A casa de férias de meio milhão e os 230 mil euros de subsídio de deslocação do líder do PS, que vive em Lisboa, desapareceram no nevoeiro. E agora o Parlamento está dedicado em exclusividade a defender o direito dos media a obter respostas, mesmo que as perguntas (e também as dúvidas que os deputados têm) respeitem já a vida privada do agregado familiar dos governantes. Os que antes conviviam no governo e à mesa do jantar sem ver nisso problemas, agora querem saber o que janta a família de quem governa, e garantem que é graças à abnegação demonstrada que não fomos a eleições mais cedo (como se respeitar o sentido de voto não fosse obrigação e a procura de consensos fosse uma aberração).

Nem importa já que não haja ilegalidades, impropriedades ou irregularidades. As aparências é que contam e para isso é obrigatório dar "respostas", há que mostrar a família ao raio-X, expor o detalhe das obras de casa, justificar jogos de golfe — ninguém diz, repare-se, que há indícios de crime ou regras incumpridas; ninguém perguntou ao povo, invocado como tendo direito a ser esclarecido, se de facto tem dúvidas.

Tudo isto já seria muito lamentável se não implicasse a terceira moção em três semanas, a caminho de um governo derrubado menos de um ano depois de tomar posse e por um absurdo que a todos importou alimentar. Tudo isto é ainda mais inenarrável quando o árbitro fica ofendido porque ninguém lhe disse nada e em lugar de puxar as devidas orelhas em privado, como competiria a quem tem o dever de zelar e promover o respeito pelas instituições, manda recado público para que todos vejam que não gostou de ser ignorado, ainda mais depois de se ter incomodado a ir e vir de Falcon do Algarve a Lisboa. Tudo isto é ainda mais vergonhoso porque fica bem claro que ninguém está tão preocupado com o desenvolvimento do país como em safar a própria pele e ficar bonito na fotografia.

A irresponsabilidade ateada pelos incendiários que vendem boatos como escrutínio e que impune e indiscriminadamente espalham lama à sua volta terá efeitos diretos na cada vez mais ínfima probabilidade de gente de qualidade ser atraída para a condução dos destinos do país. Quem restará?

Portugal afunda-se no medíocre pântano político da fragmentação partidária, que tão cedo não permitirá a sustentabilidade governativa de uma maioria clara, mas em lugar de procurar caminhos de aproximação que permitam ao país avançar independentemente das fragilidades perde-se em discussões comezinhas, bilhardice e comportamentos que envergonhariam um bárbaro. E isto acontece num contexto em que a Europa esbraceja para não se afogar nas ondas gigantes da pressão americana e da invasão comercial da China (aguardemos os efeitos), apregoando uma moralidade que perdeu e uma independência que nunca teve — quem não tem autonomia militar não poderá defender-se sozinho, quem não tem independência energética não poderá sobreviver a solo.

Enquanto Estrasburgo debate a urgência de reforçar as defesas europeias e finge não ver as divisões internas e as contradições políticas de uma União Europeia em grave crise económica, enquanto Pequim avança no domínio da eletrificação e da Inteligência Artificial ocupando cada vez mais espaço ocidental, enquanto Washington desequilibra a balança dos conflitos mundiais e se prepara para impor tarifas a tudo quanto chegue da Europa, Portugal volta a parar à beira da estrada.

Se a moção de confiança de terça-feira passar — Marcelo ainda pode persuadir Pedro Nuno a abster-se... e o pinote não custará muito a quem rejeitava por completo uma CPI a Montenegro poucos dias antes de a propor ele próprio —, passará a que preço? Quantos meses mais durará o governo?

Mas se a AD cair já e as eleições de maio determinarem novo governo minoritário, seja para que lado for, quanto tempo poderá durar esse novo executivo? Sobreviverá ao Orçamento do Estado para 2026, ou viveremos em duodécimos até o Presidente eleito convocar mais umas legislativas, as quartas nos quatro anos que deveria durar uma legislatura? E nessas, quem conseguiremos convencer a sentar-se nas cadeiras do governo?

Pelo andar da carruagem, só bandidos ou inimputáveis que não se ralem de ser mal pagos e chicoteados no pelourinho.