Pedro Nuno Santos tem razão. Como pode Luís Montenegro ter a ousadia de decidir sobre o seu governo e nem explicar a decisão de substituir seis secretários de Estado? Nos tempos em que não era ainda líder do PS, mas apenas ministro de António Costa, as coisas não eram assim. Bem nos lembramos todos desse 2023 em que António Costa nos entrava em casa mensalmente a explicar, tintim por tintim, as saídas sucessivas de ministros e secretários de Estado, num total de 13 em 16 meses. Ah, esperem... afinal não foi bem assim.

Mas claramente o caso não pode comparar-se, porque as situações então explicavam-se por si. Desde logo, porque não era o chefe do governo que entendia removê-los, eram os próprios que "pediam para sair", simplesmente por se descobrir que estavam envolvidos em casos de justiça — como Marco Capitão Ferreira, arguido no caso Tempestade Perfeita; ou Carla Alves, que tinha contas com o marido arrestadas por suspeitas de fuga ao fisco em quase 1 milhão de euros; ou ainda Miguel Alves, acusado de prevaricação (o processo está em recurso)...

O próprio Pedro Nuno Santos pode comprová-lo na primeira pessoa. Certamente não se esqueceu porque deixou o governo, ano e meio depois de Costa revogar o "seu aeroporto" 24 horas depois de ele, usando a vantagem de ter sido deixado sozinho na sala, o ter anunciado ao mundo, e após ter-se esquecido da autorização para pagar meio milhão de euros a Alexandra Reis para sair da TAP sem fazer barulho, cujas culpas deitou ao seu secretário de Estado apenas para mais tarde se recordar que afinal sabia e autorizara ("era pedida a anuência política para fechar o processo e a mesma foi dada", admitiu dias depois à Comissão Parlamentar de Inquérito).

Mas falhas de memória todos temos, claro. Senão o líder do PS não viria agora pedir explicações sobre a empresa da mulher e dos filhos de Montenegro, da qual já o primeiro-ministro deixou de ser sócio em 2022, quando Pedro Nuno tão bem sabe o que lhe custou ver a empresa do pai, na qual detinha "uma participação simbólica", nas notícias por ter ganho 1,1 milhões de euros em contratos com o Estado, metade deles celebrados quando o próprio estava no governo.

Afinal, comparações há muitas. Dos despedimentos pelo Bloco de Esquerda das funcionárias que tinham acabado de ser mães às assinaturas falsificadas pelo ex-candidato presidencial da IL, passando pelas manobras de bastidores para dividir as águas autárquicas entre PS e PSD, pelos diversos e graves casos de justiça em que estão envolvidos deputados do Chega e até por um presidente de Governo Regional indiciado por oito crimes.

Muita coisa está podre na República de Portugal. Mas muito não é tudo. Se continuarmos distraídos com as sombras na parede, vamos achar-nos rodeados de monstros. A descredibilização das instituições políticas e dos órgãos representativos, que também se faz pela banalização de acusações, enviesando factos para parecerem suspeitos ou mal intencionados, faz-nos perder perspetiva e afasta os melhores da mera ideia de nos representarem — ou, atrevendo-se, dificilmente terão coragem de tomar decisões fundamentais cujos efeitos não sejam de satisfação imediata, independentemente dos custos a médio e longo prazo. Veja-se o estado a que chegou a habitação ou a saúde, por total ausência de políticas e de visão, por incapacidade (ou falta de vontade) de antecipação.

Um governo tem a obrigação de pôr em prática o plano que a maioria que nele votou considerou ser o melhor para o país, não pode perder-se em trocas de acusações e banalidades ocas. Uma oposição firme é aquela que obriga ao debate dos seus temas, mas também é capaz de entendimentos com vista ao progresso de todos, não a que se especializa em ser do contra. E fiscalizar os poderes não é coscuvilhar sobre traições e amizades que azedaram ou mediatizar causas e manobras de diversão, é assegurar que o foco está no sítio certo, o desenvolvimento do país, e exigir responsabilização.

Um país que gasta todas as energias nos fogachos do dia não tem futuro.