Enquanto não soubermos o preço a pagar pela estabilidade conseguida com a coligação do novo governo alemão, nada mais faremos do que projetar cenários e especular sobre eles e os respetivos impactos. Se formos mais fundo, verificamos que Friedrich Merz é a personificação de uma Europa que, finalmente, é forçada a responder à pergunta que todos têm medo de fazer. E cuja resposta só pode ser dada pela Alemanha.

Estamos preparados para voltar a encarar a guerra para mantermos o nosso modo de vida?

É isto que está em jogo. O processo de formação de governo será uma sessão de terapia em que a Alemanha se deitará no sofá para se confrontar com a sua identidade, a sua reputação e com o papel que quer desempenhar no mundo. Mas para poder avançar, terá de aprender a aceitar-se como é:

1. Uma Alemanha que passou os últimos 80 anos a lavar a alma da sua culpa pelas atrocidades do Holocausto, tendo jurado que "guerra nunca mais", depois de sentir na pele o preço a pagar pelo amargo sabor da derrota.

2. Uma Alemanha que cedeu na autonomia e independência do BCE, ao manter os juros baixos por demasiado tempo por pressão dos líderes políticos europeus, uma promessa quebrada da lição aprendida dos tempos de hiperinflação do pós-Segunda Guerra Mundial.

3. Uma Alemanha que caiu na armadilha climática de fazer um pacto europeu para abandonar o fabrico de carros a combustão a favor de veículos elétricos num período demasiado curto, que acabou por fazer desmoronar a indústria automóvel europeia como um todo.

4. Uma Alemanha que se desindustrializou, atirando a sua produção para fábricas na China, provocando um défice comercial de 50 mil milhões de euros com aquele país.

5. Uma Alemanha que, numa crença ingénua, se permitiu ficar dependente da energia russa, depois de ter desativado múltiplas centrais de combustíveis fósseis.

6. Uma Alemanha que, num dos maiores gestos humanitários de solidariedade, abriu as suas portas aos migrantes foragidos da Primavera Árabe pela mão de Angela Merkel, mas que agora não sabe como lidar com a integração.

7. Uma Alemanha que, excluindo a Irlanda, foi o único país da União Europeia cujo PIB caiu no final do ano passado, não só em cadeia como em termos homólogos, fazendo baixar o crescimento da UE para 1,1% em termos homólogos no último trimestre de 2024.

Estes são apenas alguns dos temas que a Alemanha terá que abordar nas suas sessões de terapia para a construção de um rumo para o futuro. São muitos traumas para superar em tão pouco tempo, mas não é preciso resolver tudo de uma vez. Basta que os alemães saibam escolher bem as suas maiores prioridades.

Enquanto nós, os restantes europeus, preocupadíssimos com a direção que a Europa deve levar, respiramos de alívio porque agora já há alguém a tratar disso. Confiantes de que as maiores prioridades dos outros são iguaizinhas às nossas.

Do que não nos apercebemos é que não é só a Alemanha que está em terapia, é a Europa como um todo. Antes, foram os americanos a garantir a segurança na nossa própria casa. Agora, temos de ser todos nós. A tarefa é demasiado hercúlea para ser cumprida apenas por alemães, franceses ou ingleses.

Falta à Europa o ímpeto para se levantar do sofá e passar à ação. O resultado que saiu das eleições alemãs diz-nos que ainda há esperança. Mas há que saber aproveitar a oportunidade.

Consultor em comunicação