...e diz o cão: "A final da Copa da Europa será ibérica! Portugal contra Espanha, mas Portugal vai perder." Ao que a bola responde: "Claro, então o treinador da seleção portuguesa não é espanhol?!" O avião encolhe os ombros e pergunta: "Onde estão aquelas pessoas que deitaram abaixo o concurso público internacional de avaliação para o novo aeroporto de Lisboa só porque o consórcio vencedor incluía uma empresa espanhola? E onde estão aqueles que lançaram uma campanha anti-Iberia relativamente a uma possível compra da TAP pela IAG? Onde estão essas pessoas que deixaram passar este selecionador?"

Contrariamente a Roberto Martinez que continua a ser espanhol, a Iberia, em termos acionistas, já nem espanhola é. Está integrada na empresa International Airlines Group (IAG), cujo maior acionista, neste momento, é do Qatar. Percebo pouco de futebol, mas constato uma diferença abismal entre o tratamento daquele que é o nosso desporto nacional e o do setor aeronáutico. Nessa constatação, recordo-me daquela publicidade da Federação Portuguesa de Futebol de 2016: "Não somos 11, somos 11 milhões" de fãs incondicionais e patriotas. Se até a "nossa" seleção é dirigida por um espanhol, como é que a possível aquisição da TAP – que em Portugal terá certamente muito menos fãs e muito mais concentrados na região de Lisboa – pelo grupo aeronáutico internacional IAG, que controla a Iberia, cause tanta indignação por parte de políticos, jornalistas, especialistas e comentadores?!

Esta dualidade de comportamento é tão díspar que merece ser examinada. Não tenho dúvidas de que o futebol desperta em Portugal uma enorme paixão e que a influência estrangeira é vista e aceite com bastante naturalidade – o Pepe é de origem brasileira, o Éder veio da Guiné-Bissau e sim, Romano Martinez é espanhol. Já na aviação, qual expoente máximo da globalização do mundo moderno, Portugal enfrenta um alvoroço político e social ante uma possível intervenção acionista que envolva de alguma forma a Iberia. Da esquerda à direita, são várias as vozes que se manifestam contra a ideia, balbuciando razões nacionais, populistas e de estratégia de algibeira. Este tipo de reação com uma base altamente emocional seria, eventualmente, expectável e mais compreensível num negócio como o do futebol, mas é totalmente desapropriada no da aviação. Estou igualmente convencido de que se este discurso tivesse por objeto uma outra nação que não a Espanha, seriam várias as personalidades – dentro e fora do Parlamento – que acusariam essas vozes de serem líderes em matéria de xenofobia, de discriminação ou de um nacionalismo ignorante.

Que fique bem claro: os aviões da TAP não são caravelas, o novo aeroporto não vai rescrever Os Lusíadas e, já agora, a padeira de Aljubarrota é apenas uma lenda da nossa história medieval.

Deixo por isso a pergunta: se aceitamos a presença espanhola no "nosso" futebol ao mais alto nível, enquanto representação nacional, se aceitamos que este Europeu possa ser decidido numa final ibérica com a seleção de Portugal treinada por um espanhol, qual é o nosso problema em aceitar – sem preconceitos menosprezantes e desinformadores – o interesse do IAG na TAP?

Perante esta intolerância espanhola em terras lusitanas, apenas posso dizer: que venham então os franceses, os alemães, ou, se quiserem, até os turcos.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo