“Whatever it takes”, dizia Mario Draghi em 2012, quando a UE estava à beira da sua maior crise económica desde o surgimento da moeda única. Assim foi. Os líderes europeus tomaram as rédeas e seguraram o projeto europeu. Doze anos volvidos, é tornado público o relatório encomendado por Van Der Leyen a Draghi “O Futuro da Competitividade Europeia – uma estratégia para a competitividade europeia”, que explora a economia da Europa, alertando para a necessidade de fecharmos a lacuna cada vez maior em relação a potências como os EUA e a China. Embora a Europa tenha liderado a inovação durante séculos, nos últimos 100 anos perdemos terreno e enfrentamos desafios estruturais que têm limitado a nossa capacidade de inovar na Europa, a nível tecnológico e no ecossistema. É neste contexto inquietante que o caminho que Lisboa tem vindo a seguir desde 2022 pode ser também o caminho para toda a Europa.

Vivemos um inverno demográfico em articulação com um baixo investimento e produtividade que parecem condenar-nos a algo incerto, contudo há uma ponte que tem início aqui mesmo na capital portuguesa. É importante reconhecer que esta é não só uma janela de oportunidade, mas também um convite a olharmos para dentro, para as portas de Portugal, e percebermos que há caminho para seguir, e que tem vindo a ser construído a partir de Lisboa.  A cidade comprometeu-se fortemente neste âmbito, mas a Europa e os estados-membros devem tomar uma atitude de posicionamento, para nos consolidarmos enquanto motor e centro de inovação.

O ponto de partida é desafiante: o relatório afirma que  30% dos unicórnios de origem europeia acabam por migrar para o outro lado do Atlântico e a UE não tem nenhuma empresa no top 10 de capitalização do mercado global das tecnológicas. Além disso, enfrentamos discrepâncias a nível estrutural em relação aos EUA e China, como a diversidade de línguas e de políticas de governação vigentes na UE, mas também enfrentamos desafios que impõem entraves ao crescimento e à retenção de startups e scaleups, que têm quer ser urgentemente resolvidos, nomeadamente a regulação europeia, a política fiscal e a atração de talento.

Tal como Draghi refere, a Europa tem regulado para proteger eventuais riscos futuros, um propósito positivo, mas que em excesso, cria barreiras e alimenta o “êxodo” de inovação para outras geografias. O relatório indica que, só em 2019, a União Europeia aprovou 13.000 legislações vs. 5.000 legislações e resoluções nos Estados Unidos. Esta regulação acaba também muitas vezes em ter um efeito prático reduzido, dados que nas outras geografias tais barreiras não existem. Neste contexto, a Europa tem fomentado inovação para fazer face à nova regulação, em detrimento da inovação transformadora. A “inovação” das novas tampas das garrafas de plástico é um exemplo disto.

Lisboa comprometeu-se fortemente com a inovação e a estratégia em curso pode ser a solução para a Europa. Com a ambição de criar um centro de inovação de relevo global, a cidade tem vindo a criar as condições para atrair e apoiar empreendedores a lançarem e a crescerem os seus projetos a partir da cidade. Esta estratégia está assente em 5 grandes pilares, que devem ser também os pilares para a Europa voltar a liderar a inovação. Em primeiro lugar, a cidade está a fazer uma forte aposta no espírito empreendedor nos mais jovens, criando o talento inovador do futuro. Em segundo lugar, a cidade tem vindo a criar programas com base nas melhores práticas internacionais de capacitação dos empreendedores não só na fase inicial, mas também durante a fase de crescimento internacional. Em terceiro lugar, a cidade está a desenvolver uma rede de bairros e de “hubs” (espaços físicos) tecnológicos de inovação nos setores de maior crescimento, como a Inteligência Artificial, construindo uma comunidade de inovação que permite potenciar sinergias entre startups, o tecido empresarial, investidores e universidades. Em quarto lugar, a cidade tem feito um esforço para criar ligações fortes com outros mercados, criando uma rede de ecossistemas de maior dimensão e abrindo oportunidades de internacionalização. E, por fim,  Lisboa tem também apostado na inovação para resolver os problemas sociais derivados do crescimento da cidade.

Com a Inteligência Artificial, a sociedade está a embarcar numa nova era de transformação estrutural. Tal como Lisboa, a Europa pode adotar uma visão estratégica e ambiciosa, transformando este desafio numa oportunidade de se tornar, a par dos Estados Unidos e da China, num dos motores globais de inovação, com uma componente importante de sustentabilidade e responsabilidade social. Se não o fizer, seremos uma vez mais, essencialmente consumidores de tecnologia e inovação importadas de outras geografias. Para voltarmos a estar na “linha de produção” da inovação, a Europa tem que transformar o seu papel de “regulador” para “facilitador” e criar as condições para que os empreendedores europeus possam inovar. Assim se alavanca a expansão das startups, a capacidade de competir com os gigantes tecnológicos dos Estados Unidos e da China e se criam líderes mundiais europeus. A grande questão perdura -  será a Europa capaz de, como em 2012,  se transformar e voltar a competir a nível global?

Diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa