Aproxima-se a data do amor, o dia que bajula o comércio trivial romântico e que enche restaurantes de pessoas e rosas arranjadas à pressa. Arranjadas à pressa, tanto as pessoas, como as rosas. Dia 14 de fevereiro parece que muitos amam ou se lembram de serem mais brandos com o(a) parceiro(a). Esquece-se a violência doméstica e a violência de género, aceita-se um jantar por aí e brinda-se como se não houvesse amanhã. Coloca-se a foto vitalícia no Instagram e no Facebook para assinalar o dia, e pronto. Dia 15 tudo muda. Todos voltam às suas vidas como as beatas quando saem das igrejas após o sinal tocar o desfecho da eucaristia. E eu assisto à Eucaristia, aprecio-a, mas não entendo o ‘beato’ do público sentado nas cadeiras. E esse público também celebra o amor e parece que dia 14 está tudo bem e não há mal em não ter dinheiro porque se arranja algo para essa data.
Referi a religião porque sabemos da história sacra que, de facto, dá o significado ao dia 14 de fevereiro. Uma tragédia tal que se converteu num dia de celebração à moda laica.
Tanto abundam como incomodam os GIVE-AWAYS de presentes (detesto que me identifiquem nesses passatempos de amor com prazo) para que se ganhem seguidores e ‘gostos’. Mas será que gostamos mesmo de amar e entendemos que o dia 14 é um engano cristalizado?
Eu também achava engraçado oferecer situações espirituosas e avultadas nesse dia; agora estou muito envergonhada quando me lembro de tais engenhos. Mas hoje amo muito mais do que outrora e, por isso, o dia do AMOR não me faz sentido nenhum. Sobretudo recém-casada, ganhei maior clareza sobre isto.
Perpetua-se uma hipocrisia que mistura suposto amor com cardápios deliciosos. Quando vejo restaurantes nesse dia, penso na tristeza que ali vai (quase me sinto Eça de Queiroz no hipódromo oitocentista a queixar-me): uma montanha-russa de gente ao telemóvel, mas de mãos dadas aparentemente sem pressa. São, na verdade, restaurantes esvaziados de amor, cheios de populaça. E as amantes ficam em casa com a prenda já recebida mais cedo no dia.
Não há mal em celebrar o amor, desde que todos os dias se mantenha alguma coerência nesse amor dito. E que se tenha consciência de que a violência no namoro tem aumentado de tal forma que as autoridades de segurança recebem cerca de 8 queixas por dia e que resultam em pouca ação (da parte de quem se queixa).
Sabem o que mais acho interessante nesta conjuntura dos presentes de amor e nos restaurantes esvaziados? Ora é na mesma data que se lembraram de celebrar o dia das doenças coronárias (coração em crise) e da disfunção erétil (outra coisa em crise). Portanto, a ver se nos decidiremos em perceber o que devemos assinalar como mais importante, porque amor deve ser todos os dias e a atualidade não está para grandes prendas. Quanto mais nos stressamos, mais aumentam os problemas cardíacos e as outras situações disfuncionais.
Fica a reflexão.