Uma das limitações das ciências sociais é que, quando nos deparamos com problemas graves e sérios, raramente temos nomes de doenças ou de epidemias para dar, nem bactérias ou vírus para diagnosticar em laboratório, muito menos temos argumentos de envergadura para assustar a população ou para colocar farmacêuticas e cientistas de renome à procura de uma cura. Temos conceitos, teorias, opiniões e “achismos”. É nesta indefinição que o mal e a doença – sim, porque eles existem exatamente nos mesmos termos – se propagam mais rapidamente e nem sequer damos conta.

Neste contexto, pouco importa se outras cidades e atrações à volta do mundo já estão a aplicar paliativos que roçam o desespero ou o saque e pouco importa que essas medidas denunciem um problema profundo que não foi tratado a tempo quando ainda era incipiente e controlável. Os exemplos são muito diversos: Veneza vai duplicar a taxa de visita à cidade para 12 euros; Amesterdão, com a taxa turística hoteleira mais cara da Europa, proibiu o licenciamento de novos hotéis; Barcelona e Canárias têm sido palco de manifestações organizadas sob o lema "tourists go home"; em Maiorca impõe-se uma redução ao número de cruzeiros autorizados e em Machu Picchu, no Peru, criou-se um número máximo de visitantes por dia à cidadela dos Incas – mas tudo isto pouco altera o excesso, o descontrolo e o abuso permitido e desenhado por autoridades, entidades, decisores políticos e agentes económicos bem conscientes da doença que estão a infligir aos seus habitantes e à sociedade. Com isso, tornam-se verdadeiramente agentes transmissores de uma doença que sabem ser de difícil ou impossível de curar.. Em troca de quê?

A versão que narram no seu discurso subjetivo e parcial toca sempre os mesmos argumentos fáceis e ilusórios: emprego, PIB e fama. Ah! Os estrangeiros que nos dão tantos prémios internacionais e gostam muito de nós, do nosso sol e da nossa comida. Obrigadinho! Tudo isto, obviamente, também tem um preço, um custo e uma fatura que, muitas vezes, só chegam mais adiante. O turismo gera pouco trabalho altamente remunerado – na realidade, em muitos países desenvolvidos, é dos setores mais mal pagos; e Portugal não foge à regra: é o segundo setor mais mal pago. Os empregos que gera são muitas vezes sazonais, isto é, com um índice de precaridade e de insegurança muito grandes que, para certas camadas da população, pode ser bom (como os estudantes), mas para outras não – em Portugal, a precaridade do setor atinge o dobro da média geral dos restantes setores. É uma atividade que tem também altos impactos ambientais, sociais, culturais e urbanísticos que só agora começam a ser estudados, sentidos e “compensados”.

Nestas contas de adicionar benefícios do turismo que nos apresentam, nunca se subtraem os custos. Quem nos garante, por isso, que o resultado líquido é realmente positivo? Cabe aos governantes equilibrar os vários interesses – todos eles públicos – que estão aqui em jogo. Infelizmente, não é isso que está a acontecer – quem decide na arbitrariedade governativa e política sabe que jamais será julgado por “erros de cálculo”. Dizem-se imunes, mas isso não impede que a doença continue a alastrar por todo o lado.

Sim, estamos doentes e que não me digam que acabaram com o alojamento local ao mesmo tempo que continuam a substituir quarteirões inteiros por hotéis; que não me falem em gastar milhares de milhões de euros num mega-aeroporto com capacidade para 100 milhões de passageiros para depois dizerem que vão apostar no turismo sustentável e descentralizado. Nesta matéria, o pior dos nossos problemas de saúde não é termos um aeroporto no centro da cidade de Lisboa. Se esse fosse, de facto, o maior problema, então seria mais fácil dizer: mudem a cidade para outro sítio... E, já agora, aprendam a gerir uma saudável, porque esta, não tarda, vai morrer.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo