Se há algo que continua a ser um sinal de "baixo mundo" e de estratificação burguesa é a divisão entre colégios e escolas públicas, em que parece tudo uma feira popular perversa: as crianças dos colégios e casinhas de ensino privadas podem aceder a todas as atrações da feira popular "dos sonhos do futuro", ao passo que as crianças das escolas públicas portuguesas só têm passe limitado para entrar nas atrações da feira menos populares ou mais baratinhas. E sem futuro.

Uma coisa feia de se ver e que me chama mais a atenção por ser eu da área da Educação desde os 22 anos, e mesmo estando imersa na Psicologia, a Educação é a área primeira, antes daquela. Para todo o ser humano, académico e pouco académico. As mais recentes notícias dão conta deste flagelo de divisão social e até clivagem moral. Afinal, sonhar não parece ser para todos.

As escolas privadas e os projetos das mesmas propõem coisas muito sonhadoras, como no caso de um certo estabelecimento de ensino privado sediado na Madeira, que gosta de se apelidar de "international", em que as crianças estão a ser, alegadamente, preparadas para "profissões que ainda não existem". Quando fui investigar esta grande descoberta, bem à moda portuguesa conquistadora de novas caravelas e novas bússolas, notei que nada havia de novo. Mares já desbravados e bússolas nada novas foi o que vi: referem que as crianças estão a ser agora ensinadas para competências socioemocionais e atitudes interculturais (inclusão). Eu fiquei abismada com o facto de estarem a partir de um princípio paupérrimo: então, mas não é isto que estão os professores nas escolas públicas também a fazer? Não é isto que preconiza a matriz de competências da DGE? Claro que é, mas fica muito fancy e parece "caro" pagar colégios que usam estas palavras como se fossem coisas novas. Talvez enganem os pais que gostam de torrar dinheiro em colégios em vez de optarem por escolas públicas onde o mesmo se ensina.

E sarcasmo venha, mas baseado na evidência: todos os colegas que eu tive que eram colocados pelos pais em colégios faziam-no com um intuito – terem melhores notas de forma facilitada, para poderem ingressar numa universidade qualquer, nem que fossem quase afogados em dívidas ao conhecimento. Assim, à tona vão chegando alunos às universidades, às faculdades e aos politécnicos… com habilidades ameaçadoras: muita presunção e muito, muito pouco domínio do Português correto; saber escrever parece uma falácia, e a leitura foi substituída pela telegrafia digital. Algo assim que acabei de inventar.

Ora, concluindo: quem quer ir para colégios (os pais que decidam, claro), tudo bem, mas não venham enganar quem percebe da Educação com os alvitres e sonhos de profissões de futuro e "competências inclusivas", quando isso também se leciona e pratica muito bem na escola pública. Prefiram poupar nas públicas e assegurar que, em casa ou até em tutoria complementar, crianças e adolescentes aprendam a falar e a escrever; a ser empáticos; e a não viverem do estudo com o amigo chatGPT. Muitos dos jovens adultos que nos chegam às salas magnas das universidades estão completamente despreparados e não sabem verbos como "ceder" ou não reconhecem palavras como "obrigada", e quando vou espreitar a sua origem educacional: colégios, escolas privadas.

Parece que os colégios portugueses e as escolas públicas andam num carrossel distinto, quando na verdade praticam o mesmo, mas nos colégios andam de fardas pitorescas e fazem menos barulho que não incomoda os senhores professores. Porém, ambos os sistemas querem e votam por uma educação igual e merece louvar o Ministério da Educação sobre a mais recente reflexão sobre instituir exames em Português Língua não Materna. Não sei como, em pleno 2025, isto ainda se cogita. Claro que tem de haver exames nacionais em língua portuguesa não materna; os nossos alunos são há muito sociedade multicultural e não podem ser examinados por uma cartilha antiga.

E a minha análise e opinião não terminam aqui: acho muito curioso continuarem a desejar que haja mais professores de Português quando não elevam os salários. Da minha perspetiva, como docente universitária mas com formação de base em ensino de Português, Latim e Grego, nem eu queria dar aulas ou definhar nas escolas privadas silenciosas ou nas escolas públicas alegres. Nem em Portugal, nem noutro país europeu. Os salários não fazem jus ao trabalho dos nossos professores europeus. E nisto nem a era de Trump nos ultrapassa (os norte-americanos republicanos gostam muito de fazer ultrapassagens desavindas e acham que isso é que é soberania).

Que sonhar profissões deixe de ser algo também pago.