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(In)sustentabilidade e (de)crescimento económico: Um (des)equilíbrio (des)necessário

Sei que o título deste artigo é provocatório, e até pode ser considerado errado em termos políticos e económicos. Mas se escrevesse que não é possível ter “sol na eira e chuva no nabal”, todos concordariam.

A ideia para o título surgiu porque em 2022 fui entrevistado por órgãos de comunicação social franceses e alemães por causa do sucesso da nossa indústria de bicicletas. Portugal tinha-se tornado o maior produtor de bicicletas da Europa, num contexto em que a maioria das bicicletas compradas na União Europeia é produzida na China ou em Taiwan. O objetivo era entender as causas deste crescimento em termos de competitividade, para verificar se seria possível replicar o mesmo na indústria automóvel. Expliquei que, infelizmente, o sucesso português não era devido a uma maior competitividade, mas sim devido ao aumento de taxas alfandegárias (as célebres tarifas) e quotas de importação para bicicletas produzidas na China, bem como a salários mais reduzidos do que nos outros países que tradicionalmente produziam bicicletas (Alemanha, Itália, França, Países Baixos). Referi que a nossa competitividade não tinha aumentado, antes pelo contrário: o conjunto de regras que tinha sido imposto às empresas europeias, bem como os elevados custos de energia, obrigaram à criação de tarifas e quotas para manter a produção em solo europeu. Prevejo que a Polónia e a Roménia irão substituir Portugal no pódio, essencialmente por terem energia (e mão-de-obra) mais baratas.

A competitividade gera crescimento económico, o qual, por sua vez, gera os meios necessários para termos uma sociedade bem gerida, com paz social e felicidade. No entanto, a competitividade exige que exista abundância de alguns recursos, tais como energia e capital. Sem energia barata não é possível ter indústria competitiva. Como as matérias-primas e os componentes também precisam de energia e mão-de-obra para serem extraídas e produzidos, as componentes principais do custo industrial são a energia e a mão-de-obra. Quando o custo da energia sobe, as empresas que pretendam manter a competitividade terão de estagnar o custo da mão-de-obra. Ou seja, num mercado global competitivo, o aumento do custo da energia coloca um teto no crescimento dos salários. Quando ambos sobem, a indústria é deslocalizada para regiões onde estes fatores de produção sejam mais abundantes.

O gráfico em baixo, com as toneladas de emissões de CO2 na União Europeia e no mundo, conta-nos a mesma história: a União Europeia emite menos do que emitia no início do século, mas em comparação o resto do mundo aumentou, e muito, as suas emissões.

Gráfico
Gráfico créditos: DR

A verdade é que os governos europeus, a pedido dos seus eleitores, têm decidido criar escassez de energia e de capital através políticas que limitam a diversificação das fontes energéticas (encerrando centrais elétricas a carvão e nucleares, o que fez aumentar a dependência de gás da Rússia) e encarecem o custo do capital (criando custos acrescidos a empresas que queiram aceder ao mercado de capitais), o que coloca as empresas europeias em desvantagem face a empresas chinesas ou norte-americanas. A título de exemplo, na última década o número de empresas cotadas em bolsas europeias diminuiu, enquanto nas bolsas norte-americanas aumentou.

Se há pouco mais de dez anos a percentagem de empresas estrangeiras cotadas na Europa (15%) era semelhante à percentagem de empresas estrangeiras cotadas nos EUA (17%), hoje essa percentagem aumentou para 24% nos EUA e diminuiu para 12% na Europa (fonte: Examining the causes and consequences of the recent listing gap between the United States and Europe). Isto indicia que as próprias empresas europeias estão a captar capital nos EUA, tornando-se de facto empresas norte-americanas. O caso mais paradigmático é a Spotify, uma empresa da Suécia que colocou as suas ações diretamente na bolsa de Nova Iorque, sem sequer ter sido cotada numa bolsa europeia.

Neste momento, parece-me que alguns decisores ao nível da Comissão Europeia já perceberam o problema que criámos a nós próprios. O relatório Draghi começa por referir que a descarbonização em curso na União Europeia pode colocar em risco a competitividade europeia e o crescimento económico (fonte: The Draghi report on EU competitiveness), reconhecendo que o custo da energia na União Europeia é duas a três vezes superior ao custo nos EUA (e mais ainda face à China), pelo que é preciso uma nova “competitividade sustentável”, o que parece vir a ser uma quadratura do círculo. Entretanto, a própria Comissão Europeia está a avançar com propostas de desregulação do recém-criado regulamento da inteligência artificial (fonte: EU opens door to reworking AI rulebook – POLITICO) e também do regulamento geral de proteção de dados (RGPD) (fonte: https://www.politico.eu/article/eu-gdpr-privacy-law-europe-president-ursula-von-der-leyen/). Estas duas áreas de regulação acarretam custos para pequenas empresas que são claramente geradores de perdas de competitividade e inibidoras de crescimento. Mais áreas poderão seguir-se, mas no Parlamento Europeu existe quem seja a favor de mais regulação e inerente perda de competitividade, pelo que temos um futuro incerto em termos de crescimento económico.

O tema é grave porque não é visível nem sequer compreensível para a generalidade dos eleitores, mas tem consequências significativas para o nosso futuro coletivo. Estamos a perder a competitividade da nossa economia, e por consequência, o potencial de crescimento económico (PIB potencial), o que, no futuro, poderá prejudicar a nossa paz social e felicidade. Quem não está atento a estes pequenos problemas pensará que não faz sentido estar a associar perdas de competitividade com perdas de paz social e de felicidade. Mas se eu escrevesse que em “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, todos concordariam.

Economista do Norte

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