Associamos a palavra Fintech à prestação de serviços financeiros suportados por tecnologia digital do século XXI, mas a verdade é que as primeiras empresas que podem ser classificadas como Fintech são bem mais antigas. As operadoras de cartões de crédito e o sistema de pagamentos internacionais SWIFT já recorriam a sistemas eletrónicos de compensação bancária desde o início dos anos 70 do século passado, sendo a PayPal, criada em 1998, considerada a primeira Fintech moderna. O advento da Bitcoin, em 2009, com a inerente criação do sistema de blockchain (registo digital descentralizado), desencadeou um crescimento exponencial de novos serviços e empresas que combinam tecnologia digital com serviços financeiros.

Este novo sistema descentralizado fez crescer a ideia de que as Fintech são uma ameaça ao sistema bancário tradicional, podendo substituí-lo. É um facto que o blockchain permite efetuar pagamentos sem recurso a um intermediário financeiro, e que os serviços digitais descentralizados permitem que novos operadores entrem em segmentos específicos do mercado com estruturas de custos mais reduzidas e com menor regulação, o que lhes permite ser muito mais competitivos em termos de preço. As aplicações de transferências internacionais são um exemplo disso, assim como os novos bancos totalmente digitais que operam dentro da União Europeia a partir de apenas um país.

No mesmo sentido, o aumento da regulação dos bancos após a crise financeira global, nomeadamente com os acordos de Basileia III, veio tornar os bancos entidades menos rentáveis, menos ágeis, e sem incentivos à inovação financeira. Esta regulação abriu caminho para novas entidades com posicionamentos mais inovadores desenvolverem novos mercados nos limites do que é considerado um serviço financeiro. Da mesma forma, o acesso aos mercados de capitais (bolsas), principalmente na União Europeia, tem-se tornado mais caro e inacessível para a generalidade das empresas. A criação de regras cada vez mais complexas obriga à contratação de consultores especializados e à criação de equipas internas de supervisão do cumprimento dessas novas regras, para além da exigência de produção de numerosos relatórios. Isto torna o recurso às bolsas muito caro, o que desincentiva a captação de capital por essa via, empurrando as empresas para novos tipos de mercado de financiamento, nomeadamente os chamados mercados de financiamento peer-to-peer (P2P).

Um dos exemplos destes novos tipos de mercado são as Fintech que angariam dívida para empresas ou projetos imobiliários sob a forma de crowdfunding (angariação de investidores, os quais investem diretamente nas empresas). Existem várias empresas deste tipo na Europa, incluindo pelo menos uma com sede em Portugal. É compreensível que, depois de uma crise financeira global causada por excesso de crédito concedido ao setor imobiliário, tenham sido criadas regras para reduzir o financiamento concedido pela banca a projetos imobiliários. No entanto, a consequência disso é uma escassez de capital para a promoção imobiliária, originando uma quebra na construção de nova habitação e subsequente aumento dos preços da habitação existente. Neste contexto, e com a impossibilidade de acesso quer a bancos quer a bolsas, os promotores imobiliários aceitam os serviços de mediação financeira providenciados por estas firmas, mesmo que tal represente custos mais elevados do que os empréstimos bancários tradicionais.

A grande questão é saber se estes novos modelos de negócio acabarão por substituir, de facto, a banca tradicional.

Joseph Schumpeter, um famoso economista do século XX, definiu o conceito de “destruição criativa” como o processo pelo qual inovações tecnológicas ou organizacionais substituem estruturas económicas existentes, abrindo caminho ao progresso e à eficiência.

Mas o mesmo Schumpeter também explicou que embora muitas empresas entrem nos novos setores, apenas algumas sobrevivem, tal como acontece em fenómenos comparáveis a uma “corrida ao ouro”. Este é um dos motivos pelos quais o chamado incumbente (banca tradicional) não entra diretamente nesses novos modelos de negócio, pois existe o receio de falhar durante o processo de experimentação de novas soluções empresariais. Segundo outro economista, Clayton Christensen, autor da obra “O Dilema da Inovação”, “o motivo mais comum pelo qual as empresas fracassam não é porque fazem as coisas erradas, mas porque fazem as coisas certas por demasiado tempo”. Ou seja, se a banca tradicional persistir em seguir apenas o seu modelo testado, sem se adaptar, corre o risco de ser substituída pelos inovadores.

Existe essa possibilidade, mas também existe a alternativa, tal como acontece com as redes sociais e com as plataformas de inteligência artificial, de que os líderes de mercado simplesmente comecem a adquirir as empresas inovadoras que estão a conquistar quota de mercado, integrando as suas aplicações nos próprios serviços da banca tradicional. Essa possibilidade de integração não é nova. Muitas das atuais tecnologias de pagamentos e de banca eletrónica da banca tradicional foram desenvolvidas por empresas que posteriormente foram integradas na banca tradicional.

Estou convicto de que, salvo impedimentos de natureza política, esse processo de integração das Fintech na banca tradicional acabará por acontecer. Isso irá salvaguardar a continuidade da banca, permitindo-lhe abandonar o estatuto de “tradicional” e voltar a ser um setor de inovação tecnológica, como foi no final do século passado e início deste.

Economista do Norte