Escrevo-vos esta crónica num fuso horário diferente. Não que tenha qualquer relevância, mas porque quem viaja sente a necessidade de incluir esse facto em conversas descontextualizadas. É um bocado como ser licenciado em Direito. Já que tocam no assunto, sou licenciado em Direito.
Estou a viajar com um amigo que nunca tinha andado de avião por ter medo de o fazer. Deviam ter visto a cara que fez quando ouviu que o avião ia descolar. Como se os aviões não estivessem preparados com stock de fita-cola preta para qualquer eventualidade. É mesmo um estreante.
O nosso destino é a Grécia, o que é engraçado porque ele vomitou durante o voo então já está familiarizado com o grego.
Ele deu-me a conhecer um canal no Youtube que faz livestreams de todas as descolagens do aeroporto de Lisboa, em tempo real. Disse que tínhamos de ver, porque se acontecesse alguma coisa ao nosso avião ele queria saber em direto.
Por esta altura já devem ter conseguido perceber que a mãe deste meu amigo bebeu durante a gravidez.
Viemos ao casamento de uns amigos gregos e eles têm costumes muito interessantes. Uma das tradições mais notórias é que todos os gregos – sem exceção nenhuma – ignoram estrangeiros em casamentos. É muito engraçado. Como gosto de respeitar e participar nas tradições dos países que visito, também eu ignorei por completo o amigo que viajou comigo.
Fomos em altura festiva, e a Páscoa na Grécia tem um sabor diferente. É tradição cozinhar durante oito horas um bode inteiro e comê-lo no Domingo de Páscoa. É a chamada Ressurefeição.
Fui convidado a participar no processo de dar nome ao bode. Sendo bode “goat” em inglês, sugeri que se deveria chamar Cristo, em homenagem ao G.O.A.T. da Páscoa. A minha sugestão foi ignorada, como é tradição, e em vez de ficar com o nome do Messias, ficou Messi. Apenas duas letras de diferença, mas duas personalidades totalmente opostas: Jesus Cristo defendia ideias como a importância do perdão, as do Messi só eram defendidas se ele perdoasse; o Messi aos 37 anos ainda não pendurou as botas, Jesus aos 33 já estava pendurado; e – possivelmente a diferença mais significativa – Jesus Cristo era pé direito.
A realidade que vou descrever agora poderá afetar eventuais leitores mais sensíveis. Os meus amigos gregos convenceram-me que era tradição comer os testículos do bode.
Agora, reparem: eu gosto mesmo de respeitar tradições. Para dar credibilidade a esta “tradição”, um dos meus amigos voluntariou-se a comer um testículo comigo. É importante referir neste momento que, à data, o mais perto que tinha estado de comer um testículo tinha sido quando vi aquela fotografia que o João Félix pôs sem querer no Instagram. E mesmo aí, longe de serem testículos de G.O.A.T..
Vou-vos dizer a que sabe o testículo de um bode. Sabe a traição. Sabe a perceber que caí numa cilada e que não há tradição nenhuma que envolva a ingestão de testículos caprinos. Sabe a ver treze cidadãos de outro país a rirem-se do português que acreditou numa premissa tão ridícula.
Pior de tudo foi perceber que foi para isto que fiz a minha primeira viagem de avião.
Comediante Estagiário