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Portugal e o impacto das tarifas

Tarifas podem beneficiar clientelas internas particulares, mas, de forma geral, prejudicam o crescimento económico. E, quando são retaliadas, os danos multiplicam-se.

Segundo David Wildasin, a primeira lei dos economistas dita que, para cada economista, existe outro com uma opinião contrária. A segunda lei é ainda mais impiedosa: mesmo assim, ambos estão errados, já que, entre dois economistas, surgem quatro opiniões diferentes. No entanto, há um raro ponto de consenso na classe: o comércio internacional é benéfico para os países, enquanto as tarifas alfandegárias tendem a ser prejudiciais.

Em 2009, um inquérito a um grande grupo de economistas americanos pediu-lhes que expressassem o seu grau de concordância com várias afirmações sobre políticas públicas. Como seria de esperar, muitas das questões dividiram opiniões. Mas houve uma afirmação que uniu quase 90% dos inquiridos: eliminar tarifas comerciais é positivo para o país. Poucas políticas geram tal consenso entre economistas de diferentes sensibilidades – sejam eles mais ou menos liberais, de esquerda ou de direita. Tarifas podem beneficiar clientelas internas particulares, mas, de forma geral, prejudicam o crescimento económico. E, quando são retaliadas, os danos multiplicam-se.

Há, naturalmente, algumas exceções: questões de soberania ou a utilização temporária de tarifas recíprocas como instrumento de pressão para eliminar outras tarifas ou barreiras comerciais. Contudo, na prática, estas exceções são quase sempre usadas como falso pretexto para proteger interesses particulares, sendo mencionadas como desculpa em circunstâncias em que não se aplicam verdadeiramente.

Num mundo interligado, uma crise iniciada por tarifas num país pode alastrar-se rapidamente a outros. E se esse país for os Estados Unidos, o impacto tende a ser ainda maior. O meu lado otimista quer acreditar que ainda vamos a tempo de travar o que temos visto nos últimos dias. Mas os mercados não parecem partilhar esse otimismo. Por isso, é essencial compreender de que forma esta nova crise comercial, a acontecer, pode afetar Portugal.

A forma como os choques económicos se propagam entre países através de relações comerciais tem sido amplamente estudada, sobretudo após a crise financeira de 2008-2009. A transmissão pode fazer-se por via dos fluxos de investimento, das exportações e, de forma menos intuitiva, também através das importações. Quanto mais intensos forem os fluxos financeiros e as trocas comerciais com um país – ou com parceiros altamente dependentes desse país – mais rapidamente os efeitos positivos ou negativos do ciclo económico desse país se transmitem (o que explica a resiliência da Coreia do Norte aos ciclos económicos: são sempre igualmente miseráveis, aconteça o que acontecer no resto do mundo).

Quem quiser explorar o tema com mais detalhe (e gostar particularmente de fórmulas matemáticas complexas) pode consultar a tese de doutoramento de um académico medíocre – que assina na Universidade como Carlos Pinto – e que dedicou parte do seu trabalho e limitada paciência a estudar este assunto: "Essays on International Trade: Firm Heterogeneity, Economic Crisis and International Business Cycle Transmission".

Mas, afinal, até que ponto pode Portugal ser afetado por esta potencial guerra comercial?

A má notícia é que Portugal, como a maioria das economias desenvolvidas, tem ligações comerciais relevantes com os EUA. Cerca de 7% das exportações portuguesas de bens e 9% das exportações de serviços destinam-se ao mercado norte-americano. Embora longe do peso da União Europeia no nosso comércio externo, este volume é suficiente para causar impacto a curto prazo.

A boa notícia é que a maioria destas exportações não será afetada pelas tarifas. Os dois principais grupos de produtos que exportamos para os EUA são medicamentos e derivados de petróleo – ambos excluídos das novas tarifas. Setores como o vitivinícola, o têxtil ou o corticeiro poderão sentir mais diretamente os efeitos, mas o peso relativo no PIB das exportações desses setores para os EUA é modesto.

No que toca aos serviços, o impacto será ainda mais limitado. As tarifas não se dirigem especificamente ao comércio de serviços e, mesmo que o venham a fazer, cerca de metade das nossas exportações neste domínio correspondem a turismo – um serviço prestado em solo português.

No entanto, há efeitos indiretos a considerar. Vários países da União Europeia, com os quais temos fortes laços económicos, estarão mais expostos às tarifas norte-americanas. Os impactos negativos nesses países chegarão até nós, mesmo que de forma indireta. Mesmo no turismo, uma eventual recessão nos EUA, combinada com a desvalorização do dólar, pode traduzir-se em menos visitantes e menos receita vinda de turistas americanos. Os turistas americanos não só representam uma parte crescente do nosso turismo como estão entre os que mais dinheiro gastam.

Vivemos tempos de incerteza. Os mercados financeiros mostram sinais de preocupação com o desfecho desta situação. Se a crise vier mesmo, serão, como sempre, os países com economias mais flexíveis, diversificadas e adaptáveis que melhor resistirão à tempestade. Nas duas últimas crises (subprime/dívidas soberanas e pandemia), Portugal foi sempre dos últimos países a recuperar, precisamente pela rigidez e ausência de capacidade de diversificação.

Ainda temos razões para acreditar que a crise anunciada possa não chegar. Mas se chegar mesmo, seria importante desta vez estarmos preparados.

Escreve no SAPO quinzenalmente à terça-feira

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