Portugal encontra-se, uma vez mais, mergulhado num ciclo vicioso de crises políticas que comprometem a capacidade do país para avançar com reformas estruturais urgentes. A polémica que envolve o primeiro-ministro, somada às suspeitas em torno das ligações de políticos ao setor imobiliário, está a alimentar uma lógica de linchamento público que se tornou regra nos últimos anos. O problema não reside no escrutínio. Pelo contrário. O escrutínio é fundamental numa democracia. O problema é a paralisia que esta onda de suspeição está a causar no país. O sistema judicial deve funcionar sem exceções, mas Portugal não pode ficar refém de um julgamento ininterrupto na praça pública.
Enquanto se discutem suspeitas e alegações, os problemas estruturais continuam a agravar-se. De acordo com o Banco de Portugal, entre 2013 e 2023, os preços da habitação em Portugal subiram 83% em termos reais, um aumento que contrasta fortemente com os 28% registados em Espanha. As razões para esta discrepância são conhecidas. Uma procura elevada não acompanhada pela oferta, um mercado amarrado pela burocracia e um setor da construção sem mão-de-obra suficiente. O país precisa desesperadamente de medidas concretas, como a revisão da Lei dos Solos, que poderá facilitar a conversão de terrenos para habitação. No entanto, em vez de centrar o foco em reformas estruturais, o debate político e da generalidade da sociedade civil concentra-se, quase em exclusivo, em suspeitas e ataques cruzados, que, infelizmente, só adiam ou impedem soluções.
A verdade é que Portugal tem vindo a perder terreno no quadro europeu. Segundo os últimos dados do Eurostat, o país registou o maior aumento de preços da habitação na Zona Euro no terceiro trimestre de 2024. Este crescimento não reflete prosperidade, mas antes um mercado desequilibrado que empurra os jovens para fora do país. A precariedade habitacional junta-se aos salários baixos e à instabilidade profissional, tornando-se um dos principais fatores de emigração jovem e de talento qualificado.
A incapacidade de Portugal para implementar políticas estruturais é um problema de décadas, mas tem sido agravada pelo ambiente de suspeição permanente que domina o debate público. A justiça deve atuar de forma independente e sem qualquer tipo de pressão externa; deve ter condições para funcionar de forma discreta e não deve ser usada como arma preferencial de arremesso político. O quadro vivido em Portugal tem bloqueado reformas essenciais. E o princípio do custo-benefício parece ser altamente desfavorável. O país continua a definhar em alguns dos mais importantes indicadores de desenvolvimento no quadro dos Estados-membros da UE.
Portugal não pode continuar a hipotecar o seu futuro à lógica do escândalo permanente. O país precisa de decisões políticas eficazes, sem que isso signifique, evidentemente, impunidade. As reformas estruturais não podem ser adiadas porque há suspeitas a serem investigadas. Se Portugal continuar preso a esta paralisia, o resultado será um país cada vez mais pobre, incapaz de competir com os seus parceiros europeus e de garantir um futuro digno às novas gerações.
O escrutínio é essencial, mas Portugal não pode parar.
Professor Associado e Coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia