Tem havido um enorme foco em Portugal sobre as médias empresas como gatilhos-chave para o ganho de escala no tecido empresarial português, tornando-as estruturalmente mais competitivas e aumentando o segmento de grandes empresas, fator determinante para o fortalecimento da economia nacional. De facto, e como referi num artigo anterior, a posição de partida diz tudo — nas quatro maiores economias europeias, bastam 26 a 27 empresas para gerar 10 milhões de euros de PIB, enquanto Portugal precisa de 35,8 empresas para atingir esse nível. Este indicador muito simples coloca-nos na 16.ª posição da UE 27, abaixo da média e muito atrás de países improváveis com população próxima ou inferior à nossa, como a Bélgica (17,5), a Grécia (19,3), a Dinamarca (22,8), Chipre (32,7) ou a Estónia (34). A vizinha Espanha não perdeu o comboio: está acima da média europeia, com 27 empresas para 10 milhões de PIB.
Isto demonstra que a nossa economia assenta numa estrutura empresarial sub scale. E como os números não têm aumentado, como se pode criar um apetite de crescimento dominador nas milhares de médias empresas às quais se está a pedir para ir mais longe? Uma das formas é mostrar casos concretos de sucesso, mostrar que é possível fazer e como. Dedico este artigo à seleção de médias empresas familiares que têm feito o que se pretende – crescimento com rentabilidade e uma proposta de valor forte e distintiva.
Antes de avançar é importante clarificar o conceito de “média empresa”. Face à definição oficial de segmentação pelo número de empregados, cada vez mais caduca à medida que a intensidade tecnológica se torna o driver de valor determinante das empresas, insisto na definição baseada no Gartner Institute: uma empresa é média se tiver 50 a 250 milhões de euros de faturação , com 250 a 1000 milhões temos uma grande empresa e a partir daí uma “muito grande empresa”. É com base nesta métrica que proponho visitar casos de sucesso de médias empresas familiares e os atributos-chave de cada uma – seleção pela qual assumo a total responsabilidade, sabendo que outras se poderiam juntar a este pequeno grupo.
Inovação, crescimento e ousadia
“The sexiest paper on Earth.” Quantas empresas portuguesas falam ao consumidor com esta força em todo o mundo? Falar sobre a Renova é falar sobre um dos mais brilhantes casos de inovação disruptiva de uma empresa portuguesa numa categoria de produto a nível mundial, um verdadeiro case study internacional de inovação. Partindo do papel higiénico colorido e sempre apoiada por produtos de alta qualidade e uma comunicação de excelência, a Renova não para de estender a gama e tirar o máximo partido da força da sua marca. E a empresa confunde-se com o líder – de facto o presidente, Paulo Pereira da Silva, tem sido o grande motor da empresa e conseguido manter uma coesão notável no seio de um modelo acionista muito fragmentado mas com os seus membros bem envolvidos na empresa.
Os horizontes de crescimento endógeno são muito fortes. A empresa faturou 170 milhões de euros em 2021 e em 2023 saltou para mais de 250 milhões, um crescimento pujante graças à produção externa e ao aumento das exportações para 50% da sua produção, cobrindo 70 mercados. Com a presença em França a assumir-se como um caso sério, abre uma fábrica local e ambiciona produzir em novas paragens, como a Coreia do Sul ou o México, graças ao salto que a comercialização da marca tem tido nestas paragens. O potencial de crescimento é significativo e a Renova está a entrar com galhardia no seleto grupo das grandes empresas portuguesas.
Dinastia, crescimento e projeção internacional
Fundada em 1882, a Symington Family Estates é um dos maiores produtores mundiais de vinho do Porto premium, o principal proprietário de vinhas no Alto Douro e um dos principais produtores de vinho de Portugal, com um total de 5.500 hectares, dos quais 1.024 plantados com vinha. Detém um notável portefólio de casas, como a Graham’s, Cockburn’s, Dow’s e Warre’s, e vários projetos no Douro (Quinta do Vesúvio, Quinta do Ataíde, Altano, Prats & Symington – Chryseia).
Gerida hoje pela 4.ª e 5.ª geração, tem tido um crescimento notável e atingiu 100 milhões de faturação em 2023. Apesar de o core business ser desafiante, o grupo tem tido uma rentabilidade estrutural, que tem permitido um crescimento sustentado orgânico e inorgânico, adquirindo terrenos de vinha e quintas. A estabilidade da relação familiar é mítica a nível nacional e internacional e o fator chave de sucesso da Casa.
Coesão familiar, ambição, consolidação setorial
A maior editora portuguesa soma uma faturação anual superior a 100 milhões, que se vai distribuindo por diferentes segmentos em muitos dos quais é a referência. O portefólio do grupo detido pela Família Teixeira engloba chancelas como Porto Editora, edições Quetzal, Pergaminho, Temas e Debates, Arte Plural, Contraponto, GestãoPlus, 11/17, Wook (a livraria online de referência em Portugal), Moçambique, Assírio e Círculo de Leitores.
O percurso do grupo é um exemplo de dinâmica de crescimento orgânico e inorgânico. No início do século, adquire a Areal Editores (2001) e a Lisboa Editora (hoje Raiz Editora, 2002), duas concorrentes. No entanto, não existiu fusão entre as três empresas e ao dia de hoje ainda editam livros sob cada marca. Investe em Angola (2005) e Moçambique (2002) e em 2010 compra o grupo Bertrand, de forma a aumentar o leque de obras e a quota de mercado e expandir a rede de lojas. Nesse mesmo ano adquire a Sextante Editora para ajudar a expandir a área literária e a chancela Livros do Brasil, após um ano de colaboração para a edição e distribuição com a própria chancela Porto Editora.
A Porto Editora é presidida por Rosália Teixeira, viúva do Fundador de 91 anos, que detém 65% do capital, e o restante está distribuído pelos três filhos e ações próprias. A coesão no seio da família, a confiança depositada na liderança executiva de Vasco Teixeira, a emergência no negócio de membros da 3.ª geração e, naturalmente, a dinâmica de crescimento e os níveis de retorno fazem da Porto Editora uma média empresa familiar exemplar.
Família, liderança, crescimento orgânico
Fundada por João Alves com o acrónimo dos nomes dos filhos, Ricardo e Bernardo, a Riberalves é a maior empresa mundial de transformação de bacalhau e claramente a mais desenvolvida – implementou programas produtivos de aumento de eficiência de grande impacto, concebeu a tecnologia proprietária do Bacalhau Demolhado Ultracongelado –Pronto a Cozinhar, que se revelou um sucesso, e desenvolveu uma rede de exportação cobrindo 20 países, que representa cerca de 30% das vendas. O crescimento tem sido notável: de 150 a 200 milhões entre 2021 e 2023... e a família espera continuar, assim haja disponibilidade de matéria-prima – talvez o maior desafio.
Em termos de governance a Riberalves é exemplar. Concluiu o plano de sucessão e uma reorganização societária que levou João António Alves, o fundador, a assumir a presidência não executiva e passar a liderança executiva aos filhos: a Ricardo no negócio core do bacalhau e a Bernardo os outros negócios da família. Ricardo conta com um administrador financeiro externo com uma formação e experiência de topo e a empresa com um administrador não executivo externo.
Família, crescimento, rentabilidade
Dedicada à transformação e à comercialização de alimentos ultracongelados, a Gelpeixe exporta para mais de 20 países e faturou 60 milhões em 2024, com níveis de resultados muito interessantes. Em 2025, tem como objetivo chegar a 65 milhões. Desde sempre uma empresa familiar, hoje é liderada por Manuel Tarré, fundador da empresa com o pai e o irmão, que conta com a colaboração dos dois filhos, Diniz e Lídia.
A exportação constitui um vetor de crescimento potencial importante – ainda está nos 10% de faturação, mas o líder está apostado em dobrar essa quota dentro de alguns anos. Investiu 4 milhões na redução de custos de produção e instalação de painéis solares. Graças ao desempenho recente, a aposta continuará a ser no crescimento orgânico, mas a empresa está atenta a outras oportunidades.
Pujança, valores internos e crescimento inorgânico
Com 10,7 milhões de faturação e quase 2 milhões de resultados líquidos, o Grupo F. Rego não é ainda uma média empresa, mas merece ser destacada e incluída nesta seleção, por três razões. Primeiro, a forma notável como a segunda geração, Pedro (CEO) e Sara Rego, abraçou o legado e a ambição do pai, criando uma verdadeira família no seio da empresa. Segundo, serem hoje a maior corretora de seguros de capital nacional. E terceiro, por protagonizar um ritmo de crescimento inorgânico imparável, de longe o mais expressivo de um setor em consolidação – comprando duas a três novas operações por ano num ritmo permanente de aquisições que já a levou a estar presente em Portugal, Espanha e Brasil.
Não obstante as barreiras ao crescimento colocadas pelo domínio das corretoras internacionais nos postos cimeiros do ranking do setor, crescer por aquisição é cada vez mais a palavra de ordem no grupo.
Harmonia familiar, inovação, crescimento inorgânico
A Fapil é uma empresa familiar na 2.ª geração, na mão de cinco irmãos, com a liderança executiva depositada sobre Fernando Teixeira. A empresa começou há quase 50 anos a produzir trinchas e pincéis, evoluindo para produtos de limpeza para a casa e, mais recentemente, com uma inovação mundial: uma linha de produtos feita com 20% de plástico marítimo reciclado.
Focada na inovação e na sustentabilidade, a marca trabalha na maioria para marcas de distribuição, mas a sua marca própria tornou-se um household name e a empresa tem vindo a crescer rapidamente — regista uma faturação de 30 milhões e tem como meta continuar a crescer de forma intensa exportando, a médio prazo, 50% da produção.
Dinastia, liderança setorial, crescimento inorgânico
Famalicão tem-se desenvolvido como um dos principais clusters agroalimentares do país, com foco na carne bovina e suína. E a Carnes Landeiro é um dos principais protagonistas deste setor. A família é constituída pelo pai, Joaquim Novais Carvalho, o presidente, os dois filhos, Hugo e Pedro, e os dois primos, filhos do falecido irmão do fundador, Alina e José Carlos. Pedro e Alina estão dedicado à qualidade, José Carlos gere a logística e Hugo, o mais velho, é administrador comercial, mas CEO de facto. Com 50 milhões de faturação e boa rentabilidade, a Carnes Landeiro dedica 95% da produção à carne fresca de porco e bovino. A maior parte é produção própria, em Famalicão e no Alentejo, onde fizeram uma aquisição recente.
O futuro passa pelo crescimento inorgânico. A empresa está apostada em liderar um movimento de consolidação na sua região e está em conversações com outros operadores. As dificuldades sentidas nesse movimento levam a empresa a desenvolver um investimento de aumento de capacidade, embora mais superior do que se comprasse um concorrente por um valor razoável.
A fechar...
Oito exemplos de médias empresas diferentes nos setores de atuação, na dimensão e nos próprios valores. Mas têm em comum o foco no crescimento, seja orgânico ou inorgânico, com a exportação a assumir, em geral, um papel importante. Comungam um claro potencial para se virem a tornar grandes empresas como a Renova já passou a ser.
Mas embora sejam casos que merecem admiração, não se vislumbram aquisições relevantes para o aumento de escala,. Aliás, nos últimos cinco ou dez anos, é muito difícil, senão impossível, identificar aquisições de peso lançadas por empresas médias em Portugal. E sabemos que para que as empresas médias passem a grandes o crescimento orgânico é um processo em geral lento. E se é assim, nestes oito casos escolhidos pela fome de crescimento, pior será na grande maioria deste segmento.
Empresário, Gestor e Consultor