Ganha força neste restinho de dezembro, e ainda a um ano completo das Presidenciais, a campanha anti-Gouveia e Melo que tem sido alimentada a todo o custo no espaço público. Sem que o próprio dissesse uma palavra e apenas cumprindo a tarefa para a qual fora designado — algo infelizmente raro por cá —, à frente de uma task force criada para resolver mais um problema gerado pela incompetência do governo, construiu-se no espaço mediático um endeusamento que culminou com a projeção do Almirante a candidato a chefe do Estado Português. Mas com a eleição a aproximar-se e as alvíssaras esperadas por partidos e seus apaniguados em risco de desaparecer com uma vitória de quem não faz parte do sistema político, vale tudo para tirar a concorrência do caminho.

O argumento mais usado é o desconhecimento do pensamento político do Almirante — que não significa que o não tenha... —, que entre gente não descerebrada seria visto como um ponto positivo, porque a um membro das Forças Armadas não cumpre partilhar as suas ideias e ainda menos ao microfone. Mas vale tudo para afastar quem, obviamente, não tem telhados de vidro — se os tivesse, teriam há muito sido ruidosamente feitos em cacos em praça pública. Incluindo o mero facto de ser um militar, pronunciada a função com o devido torcer de lábio em asco, como se dedicar-se a defender os portugueses e estar disposto a dar a própria vida pela pátria fosse crime.

Ser militar, e ainda mais tendo chegado ao topo da carreira relativamente jovem, significa, para esta mole néscia, que estamos perante um tirano que lidera pelo medo. E isso mesmo se vai tentando provar em episódios que vão do questionamento da disciplina no caso Mondego às acusações de outro militar, esse que há apenas dez anos incitava à revolução ("quando o povo português se consciencializar de que está nas suas mãos a mudança de que o país precisa, pode bem ter a certeza que os militares, e os sargentos em particular, estarão ao seu lado"; "É importante que haja uma revolução e essa revolução tem de começar pela revolução das mentalidades", Lima Coelho dixit).

Ser militar, em lugar de ser entendido como sinónimo de respeito total pelas instituições, espírito de corpo e de sacrifício pela nação e cumprimento escrupuloso das regras, é vendido (com outros putativos candidatos presidenciais à cabeça) como prova de militarização do Estado e tentativa de securitização de um país que se vende aos ideais da extrema-direita. E, cúmulo dos cúmulos, neste Portugal que acredita que dois em cada três políticos são corruptos, clama-se por alguém que tenha currículo partidário para PR.

A campanha de descrédito público que se montou contra Gouveia e Melo ultrapassa, porém, todos os limites quando se pretende reduzir os trabalhos do Almirante à inestimável tarefa cumprida na vacinação da covid — o que, além de demonstrativo de fraca memória, só pode resultar de ignorância ou deliberada maledicência.

Não é preciso elencar as múltiplas formações em intelligence e guerra eletrónica, cumpridas em Portugal e nos EUA, a par das missões que desde os 24 anos executou e depois comandou em submarinos. Ou recordar o trabalho feito como comandante da Força Naval Europeia (EUROMARFOR), essencial à segurança e paz das fronteiras deste continente, missões humanitárias e de resgate, combate à pirataria e tráfico humano, numa altura de pressão migratória sem precedentes. Ou sequer recordar os sucessivos cargos de chefia que foi conquistando, até chegar ao lugar cimeiro da Armada.

A evidência do seu valor, para quem dele duvide, é amplamente demonstrada pelo reconhecimento expresso ao longo da sua carreira em oito Medalhas Militares de Serviços Distintos, Medalhas de Mérito Militar de 1.ª, 2.ª e 3.ª Classe, Medalha da Defesa Nacional de 1.ª Classe, Medalha Militar de Cruz Naval de 3.ª Classe, Medalha Militar de Comportamento Exemplar, Medalha da operação Sharp Guard, no âmbito  da NATO, e ainda na Ordem de Mérito Marítimo, atribuída pela Marinha Francesa, e na Medalha da Ordem do Mérito Naval - Grau Grande Oficial, por parte da Marinha do Brasil.​​​ A que se somam a Ordem Militar de Avis - Grau Comendador e a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, ambas recebidas das mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, já após ter liderado a task force para a vacinação, por uma carreira de "destacados serviços ao Estado Português".

Reduzir os feitos de Henrique Gouveia e Melo, distinguido ao longo dos anos com 19 medalhas de mérito, às vidas que salvou no tempo da covid é apenas injusto e desonesto. É tentar pô-lo ao nível dos outros putativos candidatos presidenciais, antes sequer de ser candidato. Nivelar por baixo, como nos habituámos a fazer em Portugal.

Diretora editorial